sábado, 29 de outubro de 2011

DEVERES, SONHOS E PAIXÕES - Capitulo 5

Capitulo 5

Laura Asher era uma das melhores amigas de Julia, embora separadas por quase cinquenta anos de diferença na idade as duas eram muito ligadas.
Uma mulher alta de cabelos castanhos e ligeiramente ondulados, os olhos eram como duas bolas de gude com uma tonalidade verde pálida e exibiam um brilho divertido e fogoso.
Na juventude o corpo de curvas bem definidas, exibia uma graça desconcertante. Ela era displicentemente elegante e isto representava a maior parte do seu charme.
Mesmo agora, aos oitenta e cinco anos ela mantinha o porte altivo e a vaidade intocada mantinha os cabelos com a tonalidade ligeiramente mais clara que a da sua juventude, as roupas discretas e elegantes e o rosto sempre impecavelmente maquiado. Os anos dedicados ao tênis e a natação mantinham seu corpo firme e no lugar. Ela ainda tinha a agilidade e a energia da juventude.
A elegante senhora fora à única pessoa a apoiar Julia em sua ida para Nova Esperança. Quando a jovem cardiologista procurou a velha catedrática, esperando por sua aprovação para a sua mudança de vida, a Dra. Laura se lembrou de sua própria historia e ofereceu seu apoio incondicional e irrestrito a amiga.
A médica experiente era a maior autoridade nacional em reabilitação cardíaca e chefiava o serviço de cardiologia da universidade.
Parecia que fora ontem! Ainda podia sentir a euforia e excitação quando definiu o seu futuro, e tinha que admitir um pouquinho de medo!
Tinha sido difícil. Não tomar a decisão, esta foi sendo descortinada em sua alma ao longo do curso medico, mas revela-la a família.
Os pais da Dra. Laura eram judeus, e o Dr. Jeremy Asher era um médico renomado no sul do país e um empresário ainda mais bem sucedido. Com sua habilidade técnica apurada o Dr. Jeremy rapidamente se tornou o medico mais requisitado da cidade, e com o forte conhecimento comercial natural ao seu povo, logo estava abrindo a sua primeira clínica.
Em pouco tempo atraiu outros médicos e inaugurou o complexo hospitalar mais sofisticado e moderno daquela região. Ele era o médico particular de toda uma casta de pessoas importantes, desde políticos até empresários.
Seria natural esperar que a sua primogênita, Laura Asher, que precocemente demonstrou um interesse genuíno pela medicina seguisse seus passos. Quando ela foi aprovada no vestibular da universidade mais concorrida do país se tornou o orgulho da família.
Ao final de seis anos, o velho Dr. Jeremy já fazia planos para receber a sua sucessora, vinha plantando o caminho da sua menina aos poucos, colocando-a em contato com os seus pacientes que ele tencionava entregar aos cuidados da Dra. Laura tão logo ela completasse a residência.
Ela travou uma dolorosa batalha de consciência nos dois últimos anos de sua graduação, já sabia que não queria voltar para casa dos pais. Seu sonho era permanecer ligada a universidade, gostava deste vínculo e nutria uma ambição secreta de se tornar titular da cadeira de cardiologia. Queria ser notada, sabia que era boa e não queria ficar isolada numa cidade pequena e com pouca expressão no cenário nacional.
Era uma ambição, talvez pouco louvável, mas era verdadeira. Queria ser conhecida, palestrar em congressos, escrever artigos, livros, fazer pesquisa, desenvolver alguma coisa importante. Ter o seu nome na história da cardiologia do país e do mundo.
Foi doloroso desapontar o pai, ele era o seu herói, fora por sua causa que ela escolhera a medicina. Mas, ainda assim Laura não conseguia suportar a idéia de passar a vida fazendo menos do que achava que podia.
Esta foi à razão pela qual o Dr. Jeremy aceitou resignado a decisão da sua filha. Eles eram mesmo iguais, também ele mudara o rumo de sua vida para realizar o seu sonho. Quando entrou para o curso medico, estava abandonando uma tradição antiga na família Asher, onde o primogênito herdava o armazém e se encarregava de garantir o emprego dos outros membros da família. O armazém passou para o segundo filho Joshua e Jeremy ingressou na faculdade.
Não podia recriminá-la, estava fazendo exatamente aquilo que ele lhe ensinara, seguindo seus sonhos e seu coração. Ofereceu a sua filha aquilo que todo pai possui, o orgulho e o amor da afeição paternal e a ajuda que ela precisasse.
Laura Asher se mudou em definitivo para Nova Era e se instalou próxima à universidade onde já estava trabalhando como plantonista do setor de emergência. Recusou polidamente qualquer ajuda material do pai, queria vencer sozinha, por outro lado era confortador saber que ele estaria por perto se ela precisasse.
Não foi um capricho infundado ou uma atitude impulsiva a sua decisão. Amadureceu o planejamento de seu futuro durante todos os anos que cursava a graduação. Construiu um embasamento teórico sólido, uma pratica medica impecável e não se esqueceu de cultivar uma rede de relações bastante satisfatória. Sabia o que queria, e sabia que era capaz.
Não demorou muito a perceber que a área que mais a interessava entre todas era a reabilitação cardíaca. Lia avidamente sobre o assunto, estava sempre antenada com as novidades, era incansável em acompanhar os congressos e não demorou muito a se tornar amiga dos profissionais que atuavam nesta área.
Tão logo terminou a sua residência em cardiologia completou a sua formação acadêmica com brilhantismo tornando-se mestre e doutora em cardiologia e aprofundando os estudos sobre a reabilitação cardíaca no infarto do miocardio.
Defendeu com entusiasmo a sua idéia e conseguiu o apoio do Prof. Antonino, o titular da cardiologia para iniciar um modesto serviço de reabilitação no hospital. Trabalhou com afinco, muitas vezes utilizando suas próprias economias para fazê-lo funcionar, mas era gratificante ver os doentes se recuperarem.
Numa época em que a maioria dos infartos era tratada com um período prolongado de repouso, a Dra. Laura movimentava os seus pacientes precocemente. Logo os resultados começaram a aparecer, menores índices de complicação, menor tempo de internação e pacientes retornando mais precocemente as suas atividades laborativas.
Aos vinte e oito anos já ocupava a chefia do setor de emergência.
Foi nesta época que a oportunidade bateu a sua porta e Laura Asher com a astúcia natural dos judeus, reconheceu e abraçou-a.
Estava de plantão numa quarta-feira quando receberam aquele senhor de cabelos brancos evoluindo num quadro de infarto agudo do miocárdio da parede anterior. Era Vicenso Perluiggi o presidente e acionista majoritário das Industrias Perluiggi.
Era um quadro grave e uma ação rápida e eficaz era vital. A Dra. Laura assumiu o caso com energia e empregou toda a sua habilidade para conduzi-lo com sucesso. Ainda que ela fosse jovem e houvesse muitos outros profissionais experientes e renomados no corpo clinico do hospital, o Sr. Vicenso insistiu em ser acompanhado pela Dra. Laura Asher. Ela era jovem, esperta e eficiente, sabia que estar na chefia do setor de emergência tão jovem significava que ela era também competente. E mais, ela o fazia recordar a sua neta que fora morar na Itália.
A coisa que mais apavorava Vicenso em ficar doente não era o medo da morte, mas o pavor de que todos aqueles médicos o mandassem parar, entregar os pontos, pendurar as chuteiras...
Foi com bastante satisfação que ele percebeu a vitalidade e a juventude da Dra. Laura e reconheceu que ela era a resposta a todas as suas preces.
Essa encantadora judiazinha não iria trata-lo como um inválido, pelo contrario estava constantemente estimulando-o a se movimentar e considerava imprescindível que ele retorna-se as atividades e aos exercícios.
Na semana que ele voltou a ficar internado para a cirurgia de ponte de safena eles conversaram bastante. Vicenso conheceu a paixão da Dra. Laura pela reabilitação e ficou fascinado pelos benefícios da atividade física na recuperação de doentes como ele que haviam passado por uma cirurgia de coração.
Mas, quando ele quis se associar a um programa de reabilitação ela lhe informou que não existia um serviço especializado como este na cidade, aliás havia somente um centro de reabilitação funcionando ao norte do país e o projeto inicial da Dra. Laura ali na universidade...
Vicenso demonstrou então porque era um dos mais bem sucedidos homens de negócio do país. Percebeu a oportunidade de um ramo novo e inexplorado nos negócios e ofereceu a Laura a oportunidade de realizar o seu sonho e montar o centro de reabilitação da universidade. Queria que ela coordenasse a construção e dirigisse o serviço de reabilitação.
Designou o seu neto predileto e sucessor natural na presidência da empresa, Vicenso Perluiggi Neto, para ajudá-la.
Aos trinta e um anos, Vicenso Perluiggi Neto, era um homem alto e corpulento, com o porte elegante dos italianos e músculos atléticos mantidos nas partidas de tênis que ele jogava religiosamente todas as manhãs antes de sentar-se na sua cadeira na vice-presidência das Indústrias Perluiggi.
Os cabelos negros eram crespos e abundantes, os olhos eram de um azul límpido e profundo. A boca era um rasgo amplo e escancarado no meio da face e exibia dentes fortes e de uma brancura inigualável.
O queixo quadrado onde se insinuava uma discreta fenda transversal e o nariz aquilino completava a figura elegante deste descendente de italianos, que era um dos jovens mais cobiçados do país.
Nos meses que se seguiram eles se viram todos os dias. Discutiram orçamento, planejamento estratégico, espaço físico, contratação de pessoal e todos os detalhes para a montagem do negócio.
Almoçaram juntos um grande número de vezes e jantaram em algumas oportunidades, sempre acompanhados de outras pessoas, técnicos, economistas, arquitetos... No entanto a atração entre eles era tão evidente que ambos sabiam o que iria acontecer, só não podiam saber quando...
Apos dois meses de trabalho intenso e exaustivo eles tinham todo o projeto estruturado, o orçamento para execução e o cronograma da obra que iria iniciar sem mais demoras. E quando Vicenso Neto convidou Laura para comemorarem o sucesso do projeto com um jantar, a sós, ela aceitou prontamente, e ambos sabiam o que iria acontecer.
Seis meses depois o Centro de reabilitação cardíaca estava sendo inaugurado com um coquetel de gala, que contava com a presença de todo corpo clínico do hospital, da diretoria das Indústrias Perluiggi e as pessoas mais influentes da cidade.
Uma semana após a inauguração do centro de reabilitação, Vicenso Perluiggi Neto apresentou a família a sua futura esposa e no final do ano o jovem casal estava se mudando para a mansão Florença, uma espaçosa casa com um enorme jardime um bosque nativo que fora o presente de casamento do patriarca dos Perluiggi.
Eles formaram um casal alegre e bonito por quase cinquenta anos, quando um linfoma tirou a vida de Vicenso.
A Dra. Laura exerceu toda a sua capacidade de organização para cuidar da sua vida. Continuou a trabalhar incansavelmente e foi progressivamente conquistando o respeito e a admiração dos seus colegas, e recebia também o orgulho e a admiração do seu afetuoso marido.
Mesmo com todo o ritmo alucinante que sua vida profissional envolvia, quando ela assumiu a cadeira de professora adjunta da universidade e integrou o serviço de reabilitação como uma disciplina adicional no currículo dos residentes e pós-graduandos, e ainda na chefia da emergência ela encontrou tempo para engravidar três vezes e dar a Vicenso três herdeiros.
O primogênito, Vicenso Terceiro que se formou em economia e seguiu os passos do pai. Jonas, que se interessou pela advocacia e acabou se tornando juiz federal e o caçula, Alexandre, que ingressou na carreira diplomática e em função de seus laços familiares acabou como embaixador na Itália.
Embora não gostasse de admitir, pois não era de sua natureza impetuosa lamentar-se, Laura sentia-se frustrada porque nenhum de seus filhos escolhera seguir os seus passos. Eles a admiravam e isto ficava claro no orgulho que sempre exibiam da mãe, numa época em que poucas mulheres tinham uma carreira sólida, mas consideravam a medicina uma profissão desgastante.
Lembravam-se sempre das noites que passavam somente com o pai, que pacientemente explicava que a mama estava de plantão, e dos intermináveis congressos que a levavam por dias e dias a se ausentar, mesmo que na volta ela lhes enchesse de presentes...
O casamento de Laura e Vicenso era uma união sólida, surpreendente pela rapidez com que assumiram o compromisso.
Ele era um romântico incorrigível, um apaixonado e tinha um orgulho indisfarçável de sua mulher. Jamais se queixava das noites de plantão, do sobreaviso e das viagens para congressos. Vibrava apaixonadamente com cada conquista de sua esposa. Partilhava com ela cada vitória como se fosse sua.
Ele era um grande companheiro, um amigo fiel e carinhoso e um amante excepcional, como era comum acontecer com os italianos e seu temperamento latino.
Laura era uma mulher avançada para o seu tempo. Ela tinha certeza de que queria se casar, ter filhos, mas também tinha certeza de que só abriria mão da sua liberdade quando encontrasse o homem certo. Se alguém lhe perguntasse, Laura certamente teria dificuldades em listar as caracteristicas do "homem certo", não tinha plena consciência do que seria o homem certo.
Mas tinha certeza de que teria que se sentir atraída por ele, não conseguia imaginar unir-se a um homem que não fizesse seu sangue fever, que não lhe dispertasse paixão e desejo. Seria necessário também admira-lo e respeita-lo, era impensável unir-se a um homem por quem não sentisse admiração. Respeito, era um dos pilares do relacionamento para Laura, se não houvesse respeito entre o casal, a união com certeza fracassaria, e ela não era uma mulher que tolerasse fracassos. E, é claro, o homem ideal, teria que aceitar a sua profissão. Não podia unir-se a um homem com que não pudesse compartilhar seus sonhos. Não podia imaginar sua vida sem sua carreira. Ela era tanto mulher, quanto médica. Eram as duas metades da mesma moeda. Algo vital para Laura.
No momento em que conheceu Vicenso, soube que ele era o homem certo. Era o homem mais bonito, charmoso, elegante e sensual que ela já conhecera. Sexy! Atraente! Laura sentiu a paixão arrebatadora incendiar o seu corpo desde a primeira vez que eles se encontraram. Ele era divertido e espirituoso, com um senso de justiça e ética e um amor incondicional a familia, que conquistaram a adimiração e o respeito instantaneos de Laura. E desde o primeiro instante ficara fascinado com a inteligência de Laura. Durante todo o tempo que trabalharam juntos no projeto do centro de reabilitação Vicenso jamais deixou de demonstrar a admiração pelo talento profissional de Laura. Sua força, sua persistência em perseguir seus sonhos, mesmo numa época em que as mulheres eram uma raridade do campo de trabalho. Ele era o homem certo.
Por mais que suas vidas fossem agitadas e tivessem um ritmo alucinante, a família fazia absoluta questão de duas viagens anuais. A viagem da família, em que os dois eram acompanhados dos três filhos. E a lua-de-mel, quando os dois percorriam o mundo reacendendo a chama da paixão que os unira.
Eles conheceram o mundo todo. Julia se encantou particularmente pela Irlanda. Era um país mágico, encantador, com suas colinas verdes, seu mar azul e o clima impetuoso e suas lendas e mitos. Sempre se lembrava do ditado que dizia que os Irlandeses eram uma tribo judia perdida. Às vezes se sentia tão em casa na Irlanda que pensava ser mesmo verdade, pareciam mesmo judeus, só que muito mais divertidos com toda a sua música e o seus incontáveis pub's.
Depois da Irlanda o país de que mais gostava era a Itália. Sentia-se sempre fascinada em estar naquele país aonde as construções remontavam há muitos séculos e contavam a historia da humanidade. Esta sensação a encantava também na Grécia e no Egito. Achava Paris glamurosa, era uma cidade requintada, mas os franceses eram excessivamente empoados e esnobes, embora ela falasse um francês fluente, assim como o inglês e o italiano.
Quando se apaixonou pela Irlanda, Laura encontrou tempo na sua agenda atribulada para aprender gaélico, e não abria mão das partidas de tênis e da natação que eram a sua maneira de manter o corpo em forma.
No momento em que o seu neto Danilo, primogênito do seu caçula Alexandre, decidiu que iria ser médico e que queria estudar na escola da vovó, ela se sentiu realizada.
Ele era um belo jovem, com os traços elegantes que misturavam o porte altivo dos italianos herdado do avô Vicenso com a pele clara e os cabelos cor de mel como a sua mãe que era francesa. Os olhos eram da cor verde como as olivas, o nariz reto e altivo assim como a boca, eram sensuais como costumava ser em todos os Perluiggi.
Nascera na Itália, pois Alexandre, o filho caçula de Laura e Vicenso já ocupava aquela embaixada quando Valentine engravidou pela primeira vez. Quando o seu neto ingressou na universidade, Laura teve certeza de que seus sonhos estavam sendo realizados.
Laura conhecera Julia, logo que ela ingressou na universidade. Ela fazia absoluta questão de acompanhar o treinamento dos futuros médicos pessoalmente.
Era algo que a motivava, estar em contato com gente jovem e apaixonada pela medicina como ela fora. Espíritos puros, ainda não corrompidos pela vaidade e pela ganância, não maculados pela corrida desenfreada em busca do dinheiro. Livres daquele câncer que nos últimos anos vinha contaminando a prática medica: os seguros saúde. Sempre era possível moldar alguns para serem os guardiões da ética medica.
No exato instante em que viu Julia, reconheceu. Ela era uma jóia rara, um diamante bruto, pronto para ser lapidado. Tinha todas as qualidades para ser uma médica excepcional e quem sabe sucede-la na chefia do serviço.
Quando Julia assumiu o posto de monitora da cadeira de cardiologia, elas estreitaram ainda mais a amizade. Julia era a aluna mais inteligente que ela encontrara ao longo destes anos. O conhecimento teórico era espantoso para uma aluna do terceiro ano, a sua técnica de exame era impecável e ela tinha uma qualidade rara, era apaixonada pela sua escolha.
Nascera para ser médica, isto estava evidente na forma como se entregava plenamente aquilo, era tão natural à maneira como abordava os pacientes, com tanta dedicação e carinho que conseguia estabelecer uma relação medico-paciente altamente satisfatória.
O convívio íntimo e freqüente das duas aproximou-as, apesar da diferença de idade, Laura era divertida e alegre. Sempre pronta a conversar sobre tudo, com um vasto conhecimento do mundo que ela conhecia de suas freqüentes viagens e com uma experiência amorosa e sexual que espantava Julia, que fora eleita a sua favorita.
A Dra. Laura ficara intrigada com o fato de sua pupila estar sozinha, era surpreendente que uma mulher tão bonita e divertida como ela não estivesse tendo um caso com alguém, ela sabia que Julia estava só desde que rompera com aquele colega de turma. E quando Julia e seu neto Danilo iniciaram um romance ela acreditou que tinha sido abençoada.
Ele era apenas um ano mais jovem do que ela e a atração surgiu antes mesmo deles se encontrarem na universidade, se desenvolveu na casa de Laura aonde Danilo morava e que Julia visitava com freqüência.
Não foi muito difícil perceber o que iria acontecer, e tão logo reconheceu o interesse mútuo a Dra. Laura trabalhou para fazer de Julia uma convidada habitual permitindo que os dois se encontrassem com freqüência.
Não era difícil prever que isto iria acontecer. Eles eram jovens, bonitos e estavam sozinhos. Ele era atraente e estava encantado com Julia, que era uma mulher tímida, mas sexy. Tinha se sentido atraído desde o primeiro encontro aproveitou que sua avó estava agindo como cupido, e ela era boa nisto, e utilizou todo o seu charme para conquista-la.
Eles começaram a dormir juntos algumas semanas depois, mas embora o sexo fosse bom entre eles não demoraram a perceber que eram muito diferentes. Faltava entre eles aquele élan, aquele laço único e místico que une os verdadeiros amantes. Souberam ao mesmo tempo que seriam bons amigos e nada mais do que isto, e desde então era assim que se tratavam, como dois bons e fraternos amigos.

***

'-Julia! Você esta ótima!' A Dra. Laura abriu os braços e um largo sorriso ao receber a amiga. '-E esta deve ser Rafaela?'
Julia confirmou com um movimento de cabeça enquanto se aproximava da velha amiga para um abraço. Era uma enorme satisfação revê-la, ela era sua melhor amiga. Bastava estar com ela para se sentir confortada.
'-Venham, vocês devem estar cansadas da viagem. O que querem primeiro? Um banho? Ou preferem tomar café?' Enquanto falava Laura conduzia as duas pelo caminho tão familiar a Julia, a mansão Florença.
Rafaela apreciava tudo a sua volta, fascinada. Era uma casa linda! Parecia cenário de filme. A mansão Florença situava-se na zona sul de Nova Era, era uma enorme área verde com bosque de árvores variadas.
A casa que fora reformada por Laura e Vicenso, tinha uma aconchegante varanda. O hall de entrada abrigava uma coleção de souvenires que eles haviam juntado ao longo de suas viagens. A sala de estar era ampla e mobiliada com elegância. Havia uma sala de jantar onde se acomodavam confortavelmente doze convidados.
A ampla biblioteca continha inúmeros títulos de medicina, economia, marketing e administração, mas também muitos volumes de literatura clássica. Era o local preferido de Julia. Ela passara inúmeras tardes ali, envolta na leitura e saboreando o delicioso café da Dona Josefa.
O primeiro andar se completava com a cozinha, dois lavabos e a copa. Os quartos, cinco suítes e dois quartos simples, situavam-se no segundo andar. Neste piso estava também o home theather, que fora uma das paixões de Vicenso.
A área externa era decorada com um grande jardim, abrigava a piscina e a quadra de tênis sempre utilizadas por Laura para seus exercícios e terminava num bosque, que os dois fizeram absoluta questão de manter.

***

Desde a morte de Vicenso, há quase dez anos, Laura havia se retirado da vida pública. Sentia que uma parte de si se fora, estava anestesiada. Continuou a tocar sua vida profissional, era a única coisa que a confortava, mas o olhar perdera um pouco daquele brilho e não exibia mais no rosto aquele sorriso maroto.
Os filhos estavam preocupados, a mãe sempre fora ativa, alegre e nos últimos tempos quase não saia de casa. Relutava em aceitar os convites dos filhos, queria estar só. Fora por demais doloroso a forma como tudo se desenrolara. Vicenso era um homem saudável, ativo e estava no auge da sua plenitude, e de repente aquele tumor... E a dolorosa sensação de impotência. Mesmo com todo seu talento e vasto conhecimento ela não fora capaz de salvar o seu amado. Fora doloroso perder esta batalha. Nunca fora tão implacávelmente doloroso perder a batalha para o eterno inimigo da medicina, a morte.
Mas, a dor foi ficando mais branda a medida que o tempo passava e sendo substituída por lembranças agradáveis dos anos mais felizes da sua vida. A mansão agora, não mais representava dor, mas sim um depositário de momentos felizes. Podia sentir agradavelmente a lembrança de Vicenso ali, principalmente no home theather que ele adorava, ou na biblioteca onde eles haviam se sentado inúmeras vezes ara estudar, parando alguns minutos para uma carícia.
Quando Laura informou, após dois anos de luto, que iria a festa anual da empresa, os filhos respiraram aliviados. Ela resolveu abandonar o luto, escolheu um vestido de uma tonalidade marfim, calçou sapatos da mesma cor e tirou do cofre o conjunto de pérolas legitimas que usou para enfeitar o colo e as orelhas. Como há muito não fazia marcou uma hora com Chloe, para pentear os cabelos, fazer as unhas e se maquiar. Quando Vicenso Terceiro e Teresa passaram para apanhá-la ela estava bela, mesmo com quase oitenta anos conservava uma beleza inegável.

A festa anual das Indústrias Perluiggi, acontecia todo final de ano. Fora Vicenso Neto que começara a tradição. No ano em que o seu avô passou-lhe a presidência das empresas ele teve a idéia. Precisava criar uma marca, algo que identificasse a nova gestão, que o diferenciasse do avô. Tinha certeza de que isto era necessário antes que ele fosse aceito como líder real, e ele tinha consciência de que isto era fundamental para o sucesso da sua gestão.
E então, no final do ano, ele e sua jovem e elegante esposa Laura, abriram as portas da mansão Florença para um jantar de gala. Receberam todos os diretores de todas as filiais que cumpunham o vasto império das Indústrias Perluiggi.
Era uma festa black-tie, organizada pelo mais famoso promoter da cidade. A cozinha ficou a cargo da chef Vito Felliccie, um dos mais renomados do país e bebida da melhor qualidade circulou livremente. Os funcionários se confraternizaram, trocaram informações e fortaleceram as relações entre si. Vicenso circulou entre eles mostrando a todos que antes de serem uma empresa, eles eram uma família.
Pouco antes do jantar ele inaugurou aquela que se tornaria a tradição mais esperada da festa, o seu ponto alto. Instituiu o 'Premio Perluiggi de Excelência', contemplando o executivo de maior destaque no ano com uma caneta Mont Blanc, desenhada exclusivamente para a ocasião e um bônus em ações. O primeiro contemplado foi o velho Perluiggi, e esta foi a jogada de mestre de Vicenso, o prêmio ganhou uma importância inigualável se tornando objeto de desejo de todos os executivos da empresa. Ter um Perluiggi no currículo equivalia a um Oscar.
Ano após ano, as portas da mansão Florença se abriam para receber os executivos da empresa na confraternização anual e para contemplar um executivo competente com o prêmio. Ser convidado a participar da festa, já representava muito. Somente a cúpula da empresa estava presente.
Quando Vicenso Neto morreu, o filho decidiu manter a tradição. Era algo de que seu pai se orgulhava, ele certamente gostaria que fosse mantido, era a sua marca na empresa. Vicenso Terceiro conversou com a mãe, e Laura também pensava da mesma forma. A festa deveria ser mantida, assim como o prêmio Perlluiggi de Excelência.
O único pedido que ela lhe fez, foi para mudar o local da festa. Não queria que ela fosse mais realizada na mansão, não conseguia suportar a idéia de receber todos aqueles executivos sem Vicenso. Era doloroso demais, também não queria mais ser a anfitriã. Embora fosse a matriarca da família, achava que agora que Vicenso Terceiro assumira a presidência do grupo esta função cabia a Teresa.
O filho acatou todos os pedidos da mãe, e mesmo tendo se sentido preocupado quando ela se ausentou da festa não se manifestou. Sabia que ela precisaria de tempo para curar a sua ferida. Lembrava-se de como os pais formavam um belo casal, sempre alegres, carinhosos, amigos e apaixonados entre si. E se a morte repentina de Vicenso havia sido um choque para cada um dos filhos, podia imaginar o que a perda significava para sua mãe que ele sabia sempre fora apaixonada por ele.

Laura foi recebida com alegria pelos funcionários da empresa. Ela era muito querida, suas festas eram lembradas até hoje e a memória de Vicenso ainda estava bastante presente. Um a um todos os executivos vieram cumprimenta-la, exprimiam um respeito e uma admiração que lhe mostrava o quanto seu marido fora querido por todos. Há algum tempo atrás, isto seria doloroso, mas agora fazia parte das lembranças agradáveis, como o seu sorriso, a sua generosidade e a sua alegria de viver.
Antes de servir o jantar, Vicenso Terceiro se dirigiu ao púlpito. Interrompeu a orquestra que tocava um jazz, obrigando os casais a retornarem as mesas. Era o ponto alto da noite, ele iria anunciar o ganhador do 'Prêmio Perluiggi de Excelência'. Um burburinho de vozes se tornou audível, todos estavam agitados tentando adivinhar quem seria o escolhido.
'-Meus amigos, boa noite! É um enorme prazer tê-los mais uma vez na confraternização anual da nossa família!' Sua voz foi abafada pelas palmas, gritos e assovios da platéia. No entanto, Vicenso utilizou sua habilidade de líder para sobrepujar o clamor dos ouvintes e proferiu um discurso curto, mas marcante. Elogiou a participação de todos em mais um ano de crescimento da empresa, destacou a união, a amizade e o companheirismo como responsáveis pelo sucesso. As palavras tocaram cada um dos presentes, eles se sentiam parte daquilo, co-responsáveis por cada uma das vitórias alcançadas.
'-Bom, chega de firulas! Sei o que vocês querem...' Novamente o burburinho de vozes se elevou.
'-Tudo bem! Tudo bem! O premiado do ano veio de longe, até se atrasou um pouquinho, mas esta conosco'. As cabeças se movimentaram tentando encontrar os colegas das filiais externas.
'-Ele está conosco há bastante tempo, e nos últimos três anos tem trabalhado com afinco e não decepcionou o seu mentor'. Propositadamente ele fez suspense e percorreu a sala com seu olhar afetuoso.
'-E ele conseguiu! Se o meu pai estivesse aqui, teria vibrado com este prêmio, pois ele confiou ao escolhido esta missão, nos últimos dias de sua gestão'.
Todos estavam ao mesmo tempo, tentando se recordar das últimas decisões de Vicenso Neto há três anos atrás.
'-Ele não o decepcionou. A filial mais querida dos Perluiggi teve um lucro recorde este ano, graças a atuação excepcional deste homem: Luiz Felipe Dupret'.
O homem trajando um elegante smoking se levantou sob uma salva de palmas e se encaminhou ao púlpito onde Vicenso o recebeu com um caloroso abraço. Depois como era tradição a primeira dama, Teresa, presenteou-o com a cobiçada Mont Blanc. Mais uma vez a platéia se manifestou festejando o escolhido.
Luiz Felipe se preparou para o discurso de agradecimento. Subiu no púlpito, apoiou as mãos na madeira, empinou o tórax numa postura vencedora e percorreu a sala com seu olhar de águia. Quando seus olhos se cruzaram com os de Laura sentada na primeira fila juntamente com Vicenso, ele se sentiu desconcertado.
Ela sustentou o olhar e sorriu para ele. Por mais que tentasse retomar o rumo de suas ações ele estava hipnotizado por aqueles olhos verdes. Sabia que as pessoas estavam observando o flerte aberto dos dois, mas não conseguiu disfarçar. Murmúrios discretos começaram a soar e as pessoas começaram a se mexer impacientes nas cadeiras.
Laura estava adorando tudo. Não imaginava que seria capaz de se sentir excitada novamente. Desde a morte de Vicenso, estava seca, estéril, mas aquele homem a atraíra. Estava se divertindo também com o burburinho da platéia. Sabia que as pessoas estavam comentando a sua audácia em corresponder tão abertamente ao flerte dele. Não ligava a mínima, pro inferno com todas aquelas regras e convenções. Estava se sentindo viva, era capaz novamente de desejar um homem e ser desejada.
Luiz Felipe, forçou-se a recuperar o controle da situação. Ajeitou o microfone, bebericou um pouquinho da água para molhar a garganta e se posicionou para iniciar o discurso. Quando ele falou, sua voz saiu limpa e forte como era sua característica, e embora ele falasse para todos, seus olhos permaneceram fixos em Laura numa comunicação particular que ela correspondeu com prazer.
No momento em que encerrou o discurso a platéia brindou-o com uma salva de palmas. Vicenso voltou ao palco e novamente assumiu o microfone.
'-Eu sei que a Mon Blanc tem um enorme valor sentimental, mas sei também que o que motiva todos vocês a se empenharem na tentativa de faturar o prêmio são as stock options'. A platéia respondeu ao comentário com uma gargalhada divertida, e ele prosseguiu.
'-Portanto, Luiz Felipe, aqui estão as suas ações'. O outro homem recebeu os papéis das mãos de Vicenso e mais uma vez agradeceu.
E ele prosseguiu. '- Há uma outra decisão que você precisa tomar, permanecer na Itália como CEO da nossa filial, ou retornar para matriz e ocupar a cadeira que esta vazia no conselho desde que eu assumi a presidência? Mas, não precisa se apressar. Pense com calma, e na primeira reunião do ano traga-nos a sua decisão'.
Ele assumiu novamente o microfone.
'-Eu sabia, que esta opção me seria oferecida, independente do prêmio, e confesso que estava indeciso. Chefiar a filial Italiana e um desafio excitante, mas...' Ele desviou os olhos de Vicenso e procurou o olhar de Laura, e quando ela correspondeu à sua busca ele falou, diretamente para ela. '-Não há mais duvidas, tenho coisas mais importantes para conquistar, aqui.'
Quando ele desceu do palco e se dirigiu a mesa convidando Laura para dançar, ninguém se surpreendeu.

Eles não se separaram mais. Laura recuperou progressivamente a alegria de viver. E para Luiz Felipe foi a fase mais feliz da sua vida. Ele que já havia sido casado por três vezes, tendo ganho seis filhos, achava que finalmente havia encontrado o seu grande amor.
Alguns meses depois que eles começaram a dormir juntos, Luiz Felipe pediu-a em casamento, ela disse não.
Gostava dele, amava-o, mas, casamento, não. Já fora casada, e não queria tudo aquilo novamente. Não queria todo aquele compromisso, queria apenas aproveitar a vida. Casamento implicava um compromisso desgastante, representava o exercício diário da convivência, aprender a conhecer o outro, conceder, abdicar, respeitar espaços, dava trabalho, e ela não queria tudo aquilo novamente, era preciso tempo, o tempo que ela tivera com Vicenso para aprender, amadurecer, perdoar.
Ofereceu suas condições a ele. Se isto lhe fosse suficiente eles poderiam continuar juntos. Não iria se casar com ele. Para Luiz Felipe não restou escolha, sabia que não podia mais viver sem ela, e se estas eram as condições para tê-la, ele teria que aceitá-las.
Então eles acertaram o arranjo daquele caso duradouro. Cada um em sua casa. Luiz Felipe comprou um flet em um elegante edifício, bem próximo a mansão Florença e se instalou confortavelmente. Fazia absoluta questão de ir até a mansão e tomar café com ela todas as manhãs, era a maneira perfeita de começar o dia.

***

Laura acomodou cada uma das mulheres em uma suíte, ofereceu-lhes toalhas, e deixou-as à vontade, para que fizessem a toalete enquanto se encarregava de dar as ordens para que o café fosse servido na varanda.
Julia e ela começaram a colocar a conversa em dia, enquanto esperavam por Rafaela que ainda estava no banho. A jovem médica percebeu como sentira falta daquela conversa amena e franca com sua velha amiga. Porém, mesmo com toda intimidade que havia entre elas, Julia não se sentiu a vontade para revelar o que ocorrera entre Dominic e ela, não queria se recordar de nada daquilo, e sabia que Laura a faria revelar tudo, não havia como ter segredos para ela.
Sabia extrair tudo que havia dentro do coração e da mente do seu interlocutor, com seu sorriso maroto e seu olhar afetuoso era impossível ficar imune ao seu charme. Muitas e muitas vezes Julia especulou se estas características não tinham sido as responsáveis por Laura ter alcançado a posição que ocupava na universidade. Ela era extremamente competente, não se podia negar, nenhum outro médico tinha a bagagem da velha professa quando o assunto era reabilitação cardíaca, mas Julia tinha certeza de que ela chegaria onde estava, mesmo que fosse uma médica apenas mediana, ela era absolutamente irresistível.

***

As três mulheres estavam se sentando à mesa para o café, e ao mesmo tempo avistaram o homem caminhando tranquilamente em direção a elas. Em cada uma ele provocou um sorriso, mas cada mulher o exibiu motivada por um estímulo único e completamente diferente.
Em Rafaela, o sorriso cínico e sedutor, que Julia conhecia tão bem era a senha, o código que demonstrava o reconhecimento de um homem charmoso e elegante, como outros que ela conhecia. Sem outras intenções, seu sorriso era um flerte inconsciente que a sua natureza impetuosa executava com todos eles.
Com Julia era o reencontro de um grande amigo. Alguém que trouxe de volta a vida uma pessoa muito querida. Conhecera Vicenso Neto e o amara instantaneamente, era como um segundo pai. Vicenso assim como Laura recebera-a de braços abertos. Era a filha que ele sempre desejara e não tivera. Tinham uma afinidade única, gostavam de coisas semelhantes, as mesmas músicas, Julia e ele preferiam a prosa ao contrário de Laura que adorava poesia.
Ela sentira sua perda quase que tanto quanto seus familiares. Fora doloroso não poder mais se sentar na biblioteca ao lado dele, cada um em um canto, cada um com um livro diferente, e então, de repente, levantar os olhos e tirar o outro da concentração lendo para ele uma passagem divertida ou interessante do seu livro.
Mas fora mais doloroso ainda, ver sua amiga definhar. Vê-la entregue, apática, desinteressada de tudo. Foi angustiante constatar que Laura perdera o prazer mesmo na universidade, chefiava o serviço de forma mecânica e sem aquela paixão que sempre contagiara a todos.
Foi com alegria no coração que acompanhou a mudança lenta e gradual em Laura quando Luiz Felipe apareceu. Tão diferente de Vicenso, quanto à água do vinho. Impossível não gostar dele, era encantador, tímido, gentil, elegante, um gentleman. E... Trouxera sua amiga a vida novamente, isto era o mais importante. Foi este sorriso de amizade e gratidão que ela lhe lançou.
A mulher mais velha contraiu os músculos da face, abrindo-se luminosa num sorriso terno, adorável, que escancarava sem medo ou vergonha tudo o que estava sentindo. Amava aquele homem e se sentia feliz ao seu lado.
Não se limitou, no entanto, a sorrir com os lábios. Seus olhos também sorriam radiantes. Um sorriso diferente, exibindo um brilho que nenhuma mulher deixaria de reconhecer, o brilho de uma fêmea satisfeita. As duas mulheres mais jovens se comunicaram em reconhecimento, e como numa transmissão telepática de pensamento sorriram ironicamente da situação. Ambas, há algum tempo não exibiam aquele brilho no olhar.
O homem continuou avançando não enxergava nada além da bela senhora de olhos verdes que lhe sorria. Retribuiu escancarando a satisfação que sempre sentia ao vê-la. Aproximou-se, beijo-lhe a boca suavemente, e só então, fez valer a sua fama de um homem educado.
'-Bom dia, senhoritas.' Cumprimentou-as estendendo o sorriso as outras pessoas a mesa.
'-Bom dia, meu amor.' Novamente o seu sorriso mais encantador foi oferecido aquela senhora.
Elas responderam em coro, e quando ele se sentou ao lado de Laura, a mulher passou a mão carinhosamente pelos cabelos claros, agora completamente prateados, e perguntou numa voz cheia de intimidade.
'-Dormiu bem?'
'-Eu nunca durmo muito bem longe de você.' Ele respondeu galante, flertando abertamente com ela.
Laura sorri-lhe novamente e mais uma vez acariciou o cabelo liso e macio de Luiz Felipe, depois o beijou na boca antes de responder.
'-Também senti sua falta. Venha jantar conosco esta noite...' Ela deixou a frase no ar, mas ele entendeu o convite.
Já fazia algum tempo que eles não dormiam juntos na mansão, nos últimos meses quase sempre era Laura que passava a noite em seu flat. Seria bom, não gostava daquela atitude. Fazia-o temer que ela ainda se sentisse estranha fazendo sexo com outro homem que não Vicenso. Ele sabia que era um pensamento absurdo, mas era incontrolável.
O café já estava sendo servido quando Julia se deu conta de que estava faltando alguém.
'-Onde está Danilo?'
'-Estava de plantão a noite passada, e emendou no ambulatório. Deve estar de volta ao final da tarde.'
'-Estou com saudades daquele canalha.'
'-Ele também vai ficar feliz em revê-la.' Laura emendou com um sorrisinho irônico.
'-Isto se ele vier dormir em casa...' Julia respondeu também com sarcasmo.
'-Ele tem estado bastante sossegado ultimamente, há alguns meses não jantamos com uma beldade diferente.' Desta vez foi Luiz Felipe quem falou.
Os quatro terminaram o café e o bate-papo. Luiz Felipe retirou-se para o banco. Laura trocou de roupa e se encaminhou para o hospital, Julia e Rafaela foram às compras. Voltaram no final da tarde e ao chegarem exaustas se depararam com um jovem atraente sentado displicentemente na borda da piscina.
Ele levantou os óculos de sol e encarou-as com seu nariz empinado e a confiança que sempre o caracterizaram. Julia reconheceu a atitude petulante daquele belo homem que estava acostumado a ser admirado e desejado pelas mulheres.
'-Julia, que bom revê-la!' Ele exclamou levantando-se e se encaminhando para ela de braços abertos.
'-Também estava com saudades.' Ela retribuiu o abraço carinhoso de Danilo, sem deixar de perceber que ele notara Rafaela e ficara impressionado.
A bela mulher morena estava impassível, isto a intrigava. Como ela conseguia? Poucas mulheres resistiam ao charme de Danilo Perluigi. Ele era sedutor e incrivelmente bonito. Mas a sua nova amiga estava ali, parada, indiferente. Ele quebrou o gelo.
'-Não vai me apresentar a sua bela amiga?'
'-Ah, sim desculpe.' E Julia fez as apresentações.
Como tática para manter o controle do jogo de sedução Danilo desviou a conversa para um caminho seguro.
'-Como vão as coisas na sua cabana?' Ela pode perceber uma pontinha de sarcasmo nas palavras. Então ele era da turma dos que a achavam louca, pela mudança.
'-Ainda é cedo para avaliar, eu ainda não comecei a clinicar. Mas a experiência de viver naquele lugar é maravilhosa.'
Ele percebeu a careta discreta de desagrado no rosto de Rafaela. Então ela era uma cosmopolita, interessante.
'-E os amores?' A pergunta era desprovida de qualquer interesse secundário, apenas a curiosidade de um velho amigo.
'-Estou me reestruturando, não acho que seja um bom momento para me envolver com alguém.'
'-Julia, sempre sensata e careta. Acreditei que esta mudança profissional maluca fosse se refletir na sua vida pessoal, mas vejo que me enganei.'
'-Nós somos mesmo completamente diferentes...' Ela refletiu pensativa.
Como era possível que eles tivessem tido tanta afinidade na cama, e fossem tão completamente diferentes. Não tinham nada em comum, enxergavam a vida de forma completamente diferente, por prismas diametralmente opostos. Seus valores pessoais eram opostos, os objetivos de vida antagônicos, não tinham mesmo nada em comum.
'-Você tem razão, mas somos ótimos amigos. Ninguém me escuta e me aconselha como você.' Ele ofereceu a ela seu sorriso mais sedutor.
'-Posso dizer o mesmo de você.'
'-E você Rafaela?' Danilo desviou sua atenção para a outra mulher.
A intensidade do seu olhar assustaria qualquer mulher, mas Rafaela manteve-se imperturbável. Estava acostumada a isto, os homens quase sempre ficavam transtornados em sua presença. Mas ele temperou o olhar fascinado com um sorriso displicente que deixou claro sua atração, mas também não escondia que ele estava no comando do jogo. Rafaela recebeu aquela mensagem subliminar de poder com curiosidade. Era a primeira vez que um homem não ficava instantaneamente apaixonado por ela.
Aquela constatação foi suficiente para mexer com seu orgulho. Ela era uma sedutora nata, gostava de ser o centro das atenções, acreditava verdadeiramente que os homens que levava pra cama eram privilegiados. E aquele homem a sua frente estava se fazendo de difícil, mostrando uma indiferença indisfarçada a sua beleza. Mas ela percebera um brilho de atração no seu olhar enquanto ele conversava com Julia, e furtivamente procurava por ela. Sacana!
Danilo percebeu a confusão no rosto de Rafaela e explicitou a pergunta, embora já soubesse a resposta.
'-Você é careta, também?'
Rafaela achou graça, careta, ele estava tirando um sarro com Julia. Olhou disfarçadamente para sua nova amiga e percebeu que ela não se ofendera, estava rindo junto com ele. Entrou na brincadeira, jogando os cabelos pra trás e sorrindo de maneira sexy. Encarou Danilo e respondeu.
'-Acho que não posso ser classificada como careta, sou muito egoísta para tanto. Quero tudo que tenho direito, dinheiro, sucesso, amor e felicidade. Não abro mão de nada.'
Ele sustentou o olhar da mulher, e recebeu deliciado a confirmação do que sabia. Ela era mesmo fascinante, deliciosa e imprevisível. Estava intrigado também. Pode sentir a onda de atração erótica que fluía entre eles, mas ela se mantinha impassível. Controlada, brincando com ele como se lhe fosse completamente indiferente. Não suspirara encantada quando ele lhe sorriu de forma sedutora, e nem se derretera quando ele a encarou. Impassível, fria, mas ele sabia que por dentro ela estava ardendo, como ele. Tinha certeza de que ela também o desejava. Mas não seria ele a dar o primeiro passo, queria que ela começasse. E enquanto Rafaela se mantivesse indiferente ele sustentaria o jogo de sedução. Qual deles iria ceder primeiro? Ele podia apostar que seria ela.

***

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

DEVERES, SONHOS E PAIXÕES - Capitulo 4

Capitulo 4

Quando avistou a placa agora conhecida, Julia sentiu uma enorme alegria se infiltrar na sua mente. Nos últimos meses vinha ansiando por isto, embora o sentimento de expectativa fosse salpicado pela insegurança e o medo do novo, achava que era o que queria. Fora uma mudança cuidadosamente calculada, mas que causara espanto. Ela era uma das profissionais mais promissoras do hospital, vinha trilhando um caminho que parecia fadado ao sucesso. Em pouco tempo estaria na chefia do setor de emergência, mas jogara tudo paro o alto, e ainda rompera com Rodrigo. Ele era o melhor partido da cidade, e parecia certo que fossem se casar e ter filhos... E de repente ela rompera com tudo, que loucura! Cidade pequena, fazer medicina de família! Em pleno século vinte e um?
Seus pais foram discretos, ofereceram o apoio incondicional que é uma atitude habitual dos genitores, mas não puderam deixar de se espantar. E ainda mais com o fim do noivado, parecia tão certo que ela e Rodrigo fossem se casar. Na universidade e no hospital o comentário geral era de que ela estava fazendo uma bobagem. Era uma loucura, abandonar um serviço com o porte do Hospital Universitário, com todos os recursos onde se podia exercer medicina de alto padrão para trabalhar numa cidade pequena, e ainda por cima teria que fazer clínica geral! Era impossível atuar somente na cardiologia, a cidade não comportava uma especialização tão específica.
Ela havia realizado toda a pesquisa nos últimos meses, sondara o local, sabia que o único clinico geral da cidade era um velho médico que se sentira agradecido em dividir o trabalho com a colega que chegava, estava cansado da labuta e há muito necessitava diminuir o ritmo, ele próprio precisava de um cardiologista e foi o primeiro paciente da Dra. Júlia o que contribuiu para que a sua reputação rapidamente se espalhasse. Não fora difícil estabelecer parceria com o ginecologista e o pediatra, e estava completa a equipe médica da cidade.
Exatamente como Dominic havia dito não fora difícil comprar a cabana da colina. E ela escolheu um sobrado na praça central para montar o consultório. Era um imóvel do inicio do século que ficara abandonado e precisava de alguns reparos. Conseguiu contratar mão de obra local o que facilitou a tarefa. Ficou impressionada com o fato de não ter cruzado com Dominic em nenhuma de suas visitas a cidade, haviam se desencontrado. Ela se sentira aliviada, mas ao mesmo tempo frustrada, ainda podia se lembrar do arrepio na pele quando estivera em seus braços na noite em que eles jantaram no Guet’s. Mas essa onda de desejo se chocava com a sensação de fúria que a inundava quando se recordava da última conversa que eles tiveram pouco antes que Julia partisse.
Ela se dirigiu imediatamente para a cabana, novamente foi recebida na cidade com as gotas de chuva, o céu cinzento e o vento ruidoso agitando as árvores na colina. Foi uma satisfação perceber que valera a pena ter pagado um pouco mais caro e preferido o Jipe com tração nas quatro rodas, de outra forma teria dificuldades de subir até em casa. Sua casa! Ainda sentia uma sensação estranha ao pronunciar estas palavras, ainda não parecia real. Sabia que levaria algum tempo para se sentir realmente em casa, que seria necessário mais do que se instalar ali, colocar móveis e as suas relíquias seria necessário construir dia após dia a intimidade com este novo lar. Mas estava ansiosa pela experiência, mesmo que amedrontada, não podia esconder o desejo de que desse certo. Era a maior ousadia de toda a sua vida.
Tão logo estacionou o Jipe deixou o corpo relaxar e emitiu um longo suspiro, só agora percebera como estivera tensa ao longo de toda a viagem, com medo e expectativa de que algo desse errado, ou talvez com a esperança de que na última hora alguém aparecesse para lhe dizer o que fazer. Só agora admitia que estivera pensando nisto nos últimos dias, em alguém que lhe desse ordens para parar, interromper aquela loucura e retornar para o seu posto, assumir o plantão, atender no ambulatório e parar com toda aquela fantasia de cabana na colina, medicina de família e vida pacata do interior. Mas, ninguém aparecera e então não lhe restava alternativa, tinha que ir em frente, fazer o que estava preparando há meses...
Parecia um sonho, outra vez observou encantada a chuva cessar, o céu desanuviar e o sol aparecer pálido no horizonte, e... Mais uma vez lá estava ele, o seu arco-íris! Terminando bem em cima da sua cabana, o seu pote de ouro! Num impulso saltou do carro e ergue as mãos para o céu numa prece silenciosa, nunca se sentira tão bem em toda a sua vida! Foi com uma alegria redobrada que entrou na casa, e mesmo toda a bagunça das coisas espalhadas por todos os cantos não foi capaz de diminuir a sensação de bem estar que estava sentindo, nem mesmo o cansaço da viagem foi capaz de incomodá-la, queria começar a colocar tudo no lugar, arrumar todas as suas coisas, queria começar a senti-la como sua. Sua casa!
Ela achou melhor começar pela cozinha afinal seria ótimo fazer a sua primeira refeição em casa. E foi como confirmar todas as suas expectativas quando Julia abriu a janela sobre a pia, a sua frente uma paisagem cinematográfica se descortinou. As colinas verdes estendendo-se a perder de vista, o céu de um azul jamais imaginado, o sol brilhando majestoso e colorindo todo o quadro com uma poeira dourada e projetando sombras nas árvores a margem do riacho que corria ali perto. Podiam-se ver outras casinhas graciosas espalhadas ao redor e bem ao fundo a grande casa, a sede do Haras Firenzze. Na extensa planície que ficava do outro lado do rio, alguns cavalos pastavam preguiçosamente dentro de círculos delimitados por cercas brancas, fazendo com que tudo ali parecesse uma pintura num quadro rural.
A cozinha não era muito grande, mas a divisão do espaço fora muito bem executada, fogão, geladeira, pia, um armário robusto e ainda sobrava espaço para uma bancada privilegiadamente situada embaixo da janela, e uma pequena mesinha de madeira que comportava quatro pessoas para uma refeição caseira e aconchegante. Do lado contrário a janela quase camuflada pelo armário uma sólida porta de madeira se abria para uma dispensa modesta, porém funcional. Vistoriou o espaço percebendo que ela havia sido razoavelmente abastecida e anotou mentalmente que teria que agradecer a secretária da imobiliária que com certeza era a responsável por aquilo. Retirou da caixa a máquina de café expresso que era um dos seus xodós, posicionou-a na bancada e ligou a tomada.
Enquanto aguardava a água esquentar começou a desencaixotar as xícaras, sentiu a boca salivar ao imaginar o líquido preto e forte que era uma de suas paixões. O aroma agradável começou a se espalhar pela aconchegante cozinha ao mesmo tempo em que as batidas soaram na sua porta. Ela foi pega de surpresa não estava esperando por ninguém, e então sentiu o coração palpitar descompassado e uma contração revirar suas entranhas, será? Concentrou todas as suas forças para afastar este pensamento. Não podia acreditar que estivesse criando expectativas de vê-lo, era um grosso! Caminhou até a porta da frente e se deparou no caminho com uma mulher alta, morena com os mais belos olhos verdes que já encontrara. Ela abriu um sorriso deslumbrante e estranhamente familiar quando avistou Julia.
'-Olá, seja bem vinda!' Exclamou cheia de entusiasmo a morena estonteante.
'-Olá!' Julia respondeu fazendo um esforço quase sobre-humano para não parecer tímida.
Rafaela não pode deixar de perceber o ar de espanto naqueles olhos azuis e procurou tranqüilizá-la.
'-Sou Rafaela, da imobiliária. Passei para saber se esta tudo ok!, Se esta precisando de algo?'
Enquanto falava a mulher alta foi entrando na casa e se dirigindo a cozinha. Antes que Julia pudesse emitir algum comentário ela colocou uma das xícaras na máquina que estava esquentando e acionou o botão para preparar um expresso. Julia ainda estava atordoada, aquela mulher invadira a sua casa e sem a menor cerimônia estava manejando o seu expresso, exibindo aquele sorriso familiar, de onde ela conhecia aquele sorriso? Não conseguia se lembrar?!
'-Hum! Esta tudo bem, tudo ok!'
Mas Julia não conseguia deixar de pensar que estava agindo como uma idiota, com certeza estaria com uma cara de boba. Não que estivesse incomodada ou achando ruim, mas ficara impressionada com a desinibição daquela mulher, jamais seria capaz de uma atitude como aquela. Rafaela percebeu o desconforto de Julia e procurou controlar a situação.
'-Oh, desculpe! Eu invadi a sua casa e já estou mexendo nas suas coisas, mas eu sempre quis usar uma dessas!'
Como um pedido de desculpas ela ofereceu a Julia a caneca com o café quentinho que acabara de preparar, acompanhada do seu mais adorável sorriso, enquanto colocava outra xícara na maquina. Para quebrar o gelo e tentar parecer um pouco menos idiota Julia resolveu abrir a boca.
'-Eu tenho que te agradecer esta tudo ótimo. Você foi de uma eficiência impar e me poupou muito trabalho'.
Rafaela soltou uma gargalhada e mais uma vez Julia achou que o som lhe era familiar.
'-Eu gostaria que o patife do meu chefe ouvisse isto, quem sabe não me daria um aumento?'
'-Eu posso formalizar o agradecimento...'
'-Não se dê ao trabalho, o Renato me considera perfeitamente dispensável, aliás, eu nem sei por que continuo ali. Acho que é só porque gosto de lidar com pessoas e o único outro lugar da cidade aonde eu poderia ter isto seria no Guet's'.
Desta vez Julia pensou rápido, sua habilidade aguçada de chefia e liderança percebeu a situação com clareza e ela deu o bote com habilidade.
'-Eu poderia fazer uma proposta vantajosa se você quisesse vir me ajudar no consultório?'
'-No seu consultório?'
Julia concordou com a cabeça e sorriu por dentro, mais uma vez acertara em cheio e tinha certeza de que estaria fazendo uma excelente contratação.
'-Vou precisar de uma secretária, e acho que você é a pessoa ideal. Comunicativa simpática e gosta de lidar com pessoas'.
'-Puxa, você fala sério? Eu adoraria!'
'-Então teremos que falar com o seu chefe'.
'-Eu vou fazer isto agora mesmo, tchau!'
Antes que Julia pudesse fazer ou falar qualquer coisa a outra mulher já havia partido. Acabou calmamente de tomar o seu café e completou a arrumação da casa. Já era tarde quando ela terminou o banho e sentia-se exausta quando caiu na cama e não demorou a adormecer.


***

Ela acordou na manhã seguinte se sentindo renovada. Uma noite de sono naquele lugar agradável era suficiente para fazer qualquer um renascer. O primeiro pensamento que veio a sua cabeça foi 'felicidade!', há muito tempo não se sentia tão feliz! Buscou na memória e se recordou de uma manhã de Natal há muitos anos quando ganhou a sua primeira bicicleta, também se sentira assim... Uma alegria gratuita e desinteressada, simplesmente ver um sonho se realizar. Deu uma geral pela casa e constatou que as coisas estavam em seus devidos lugares. Entrou no chuveiro e aproveitou a delicia de uma ducha pela manhã, quando terminou de colocar o vestido verde com estampa delicada de flores estava se sentindo fresca e desperta e também morta de fome.
Enquanto preparava o café na sua maquina de expresso, constatou satisfeita que a cozinha era pequena, mas aconchegante e um sorriso espontâneo se abriu em seu rosto, enquanto Julia apreciava a paisagem situada atrás da cabana. O rio, as árvores, as colinas ao fundo com o gado pastando e a cerca branca que delimitava o terreno do Haras Firenzze aumentou a sua sensação de prazer ao se lembrar que poderia fazer as refeições todos os dias apreciando esta paisagem, era o paraíso! Quando terminou de tomar o café com torradas Julia recolheu todo o vasilhame, tirou a toalha e posicionou o vasinho com as flores no centro da mesa, lavou a louça, enxugou e guardou tudo. Permitiu-se ficar mais um tempo em frente à janela admirando o seu paraíso. Estava se sentindo uma privilegiada e foi com um novo sorriso que aspirou o perfume das flores que ficavam no jardim embaixo da janela.
Embora o aroma fosse agradável ela se recordou mentalmente que o jardim estava castigado. Seria uma maravilha dar um jeito naquilo, ela adorava plantas e tinha jeito com elas. Começou a planejar mentalmente as mudanças que teria que fazer, as flores que escolheria para plantar, um banquinho... Gostou da imagem que se formou em sua cabeça, tiraria as manhãs de domingo para trabalhar em seu jardim, teria que providenciar as ferramentas, as sementes, o humo... Teria que dar um jeito na cerca e no portão também estavam precisando de uns reparos e ela achou que poderia pintá-los com uma cor mais alegre, que refletisse melhor o seu estado de espírito. Não podia esquecer também do caminho que ligava a estrada à cabana, embora o piso de terra batida contribuísse para o ar pitoresco da paisagem, estava impraticável e era inviável no clima instável daquela terra, teria que pensar em alguma coisa...
Julia sabia que poderia permanecer ali, na sua cozinha, fazendo planos para a reforma do jardim indefinidamente, mas olhou no relógio. Dez e meia! Precisava descer até a cidade e levar todas aquelas coisas para o seu consultório, tinha que começar a colocar as coisas em ordem por ali, não queria demorar muito para começar a atender. Pegou a bolsa e desceu cantarolando ao volante do jipe vermelho.


***

Ficou surpresa quando as pessoas a cumprimentaram na cidade. Era uma forasteira, uma estranha ali, mas as pessoas pareciam dispostas a recebê-la de forma amistosa, que descoberta espantosa! Não a conheciam, não sabiam quem ela era e o que viera fazer ali, e ainda assim percebeu a sinceridade descontraída nos cumprimentos que recebeu. Voltou a se espantar, quando ao estacionar e descer do carro percebeu a aproximação de voluntários que imediatamente se dispuseram a ajudá-la a descarregar o que havia no jipe. Não foi preciso pedir, eles foram chegando, e em alguns minutos tudo estava dentro do sobrado, ela se despediu deles com um agradecimento sincero e espantado, quando todos aqueles homens se colocaram a disposição para ajudar se houvesse outra vez a necessidade de braços forte. Julia se sentiu uma idiota por não ter um café ou qualquer outra coisa para oferecer, e prometeu a si mesma que no próximo dia não estaria desprevenida.
Quando voltou para casa no final da tarde já tinha uma lista de todas as coisas que ainda precisaria para se instalar em definitivo. Era preciso completar a decoração do consultório, seria importante arranjar um arquivo espaçoso, pois teria que guardar os prontuários de todos os pacientes. Ela tinha terminado de tomar banho e vestira um conjunto de malha de cor esverdeada bastante surrado e gasto pelo tempo, sentindo-se deliciada com a perspectiva de simplesmente ficar em casa numa noite chuvosa como aquela. Levou uma tremenda surra para conseguir acender a lareira, e enquanto praguejava esperando o fogo pegar se recordou das instruções de Rafaela, ela colocara fogo ali na manhã que Julia chegara com tremenda facilidade. Utilizou o saca-rolha que havia ganhado de Danilo há alguns anos atrás para abrir uma garrafa de tinto Argentino de ótima safra, sentou-se no chão e começou a degustá-lo com prazer.
A sensação agradável de aconchego inundou seu coração e fez seus olhos ficarem úmidos. Jamais imaginou que pudesse apreciar um momento de pura simplicidade como aquele. Uma cabana, uma noite chuvosa, o fogo ardendo na lareira, um delicioso vinho e o prazer da sua própria companhia. Estava surpresa, agradavelmente surpresa por não estar se sentindo solitária. Era delicioso e reconfortante ficar ali, deitada, olhando o lento bailar das chamas em sua casa... Estava experimentando uma sensação completamente nova... Aconchego... Conforto... Liberdade... A sensação da madeira fresca e rígida comprimindo suas costas acendeu uma idéia em sua mente. Seria preciso encontrar um tapete, grosso, felpudo e fofo para forrar o chão de tábua corrida e poder se deitar em frente a lareira numa noite como aquela. Ficaria perfeito!


***

Enquanto perambulavam pelas lojas de antiguidades dispostas ao longo da avenida na pequena Vila Rica, Julia aproveitava para apresentar a uma eufórica e agitada Rafaela, todas as variações dos honorários médicos que ela já definira após conversar com os outros colegas que atendiam na cidade. Quando elas entraram naquela imensa loja situada na margem esquerda da rua ela ficou paralisada. Foi a primeira coisa que Julia viu, e era enorme! Linda! Absolutamente perfeita! A madeira escura e grossa recortada como na marcenaria grega fazia parecer que ela saíra diretamente das bibliotecas da antiga e lendária Alexandria. Era perfeita! E quando ela se aproximou atraída pela tentação de passar a mão e sentir a solidez da madeira e o aroma da peça antiga foi transportada para um cenário imaginário, como se estivesse num set de filmagem ou numa peça teatral. Podia ver com clareza a estante cobrindo toda a parede do segundo quarto em sua cabana, e todos os seus livros, aquele tesouro maravilhoso que ela simplesmente idolatrava espalhados numa “bagunça” organizada como deve ser uma biblioteca querida e amada. Imediatamente teve certeza de que aquela estante tinha que ser sua. Era simplesmente indispensável! E suas dúvidas quanto a transformar ou não o segundo quarto numa biblioteca foram completamente dissipadas. Era uma necessidade! Mentira! Era um desejo que ela vinha escondendo de si própria, desde que entrara na casa pela primeira vez, e ela iria realizá-lo, plenamente! Foram apenas alguns minutos que ela permaneceu muda e absorta nestes pensamentos, mas o suficiente para Rafaela enxergar um brilho diferente nos olhos daquela mulher que a deixaram curiosa. Era uma expressão que ela reconhecia em seu próprio rosto quando via uma bela roupa, ou uma jóia rara ou um homem atraente, que eram as suas maiores paixões.
‘-O que foi?’ perguntou sem conseguir esconder a pontada de excitação na voz.
Julia foi tragada do seu sonho para a realidade e deparou-se com o olhar curioso daquela mulher, um olhar que não admitia rodeios. E sem o menor constrangimento ou timidez, o que era surpreendente em se tratando de Julia Gouvêa, começou a falar sobre a sua biblioteca. Embora não fosse muito afeita a leitura e considerasse até mesma uma perda de tempo, ficar sentada horas a fio lendo histórias imaginárias, quando se podia estar gastando este tempo experimentando roupas, jóias ou conhecendo pessoas interessantes. Ainda assim, Rafaela era capaz de reconhecer e vibrar com a realização do desejo íntimo de outra mulher seja ele qual fosse. Comprar um vestido absurdamente caro, mesmo que ele fosse ser usado apenas naquele casamento. Pintar o cabelo de vermelho, mesmo que isto significasse meses de tortura até a cor do engano se esvair. Dormir com um estranho absolutamente irresistível, mesmo que isto representasse um tremendo peso na consciência no dia seguinte. Ou ainda, mobiliar uma biblioteca, por mais estranho que parecesse. Eram coisas simples, mas somente uma mulher poderia entender e compartilhar aquelas emoções.
Rapidamente com a sua capacidade de adaptação, que juntamente com o seu charme eram suas principais qualidades, Rafaela conseguiu se transportar para a fantasia de Julia e com uma percepção inata as pessoas naturalmente sofisticadas mostrou-lhe que ela precisaria de uma poltrona confortável, uma luminária e um tapete para que a sala ficasse completa. Julia fechou os olhos e tentou visualizar o espaço. Realmente precisaria de uma poltrona confortável em frente à ampla janela, de onde pudesse contemplar a chuva caindo sobre as montanhas verdes, e também de uma luminária e um tapete para completar a decoração. Sugeriu timidamente uma escrivaninha aonde pudesse apoiar o seu nootebook, com o que Rafaela concordou prontamente encantada com a modernidade daquilo. Nossa, um nootebook! Parecia tão cosmopolita! Suspirou fascinada. Aquilo fez com que Julia se sentisse descontraída e relaxada, era o seu ponto forte. Tanto quanto ela ficara fascinada e seduzida pela beleza e pelo charme espontâneo de Rafaela, esta estava com a sua liberdade e independência. As duas mulheres concordaram plenamente que o local só ficaria completo se encontrassem outra estante como aquela o que seria indispensável para que toda a parede do lado contrário a janela ficasse completamente coberta de livros.
Enquanto negociava tudo aquilo, incluindo os móveis do consultório, com o dono da loja, Julia pode conhecer outra qualidade de Rafaela. Ela era uma negociadora hábil, utilizava todo o seu charme para pechinchar e isto representou uma economia considerável ao final de tudo. Ela conseguiu economizar também no transporte. Rafaela se recusou a permitir que Julia contratasse uma transportadora.
‘-De forma alguma, meu irmão pode fazer isto pra você. Deixa que eu providencio tudo, ele está de volta hoje e você vai conhecê-lo quando formos jantar no Guet’s’. E ela abriu aquele sorriso encantador que não permitia negativa.
Ao final da tarde, quando as duas estavam completamente exaustas, pois Rafaela não podia perder a oportunidade e experimentar algumas novidades, sentaram-se para um lanche Julia estava se sentindo feliz. Muito feliz! E não pode deixar de decidir que o esforço generoso e despretensioso da nova amiga valia a compra do computador para a sua secretária e a instalação da placa de rede, sua dúvida fora completamente dissipada.

***

Á noite estava fria, a chuva havia cessado, mas uma neblina delicada cobria o ar. Ela sabia que era impossível ir caminhando até o Guet’s. Precisava dar um jeito naquele caminho para poder ir e vir da sua cabana mesmo com chuva. Terminou de calçar as botas de salto alto e se levantou da cama. A calça de veludo vinho assentava perfeitamente em seu corpo magro. Ela era uma mulher miúda e esbelta, media um metro e sessenta e cinco de altura, mas tinha curvas generosas e um par de pernas que era um tributo a sensualidade feminina. A pele clara era sedosa, os cabelos loiros caiam como uma cascata dourada e lisa até um pouco abaixo do ombro. A boca era larga e os lábios carnudos eram uma fantasia para o deleite masculino, era uma boca que pedia beijos longos e ardentes, para ser saboreada, degustada, como uma iguaria rara. Quando ela se abria num sorriso, ele era puro charme e sedução, um misto de menina e mulher por causa da covinha que se formava do lado esquerdo da face, bem próxima dos lábios e era impossível para seu interlocutor não sorrir de volta. O nariz reto, fino e levemente arrebitado dava-lhe um aspecto de petulância aristocrática e os olhos eram grandes e azuis com tons que iam do mais límpido azul do mar ao tom escuro e profundo de um céu noturno na dependência do humor e do animo de sua dona. Olhou uma vez mais no espelho dando uma volta completa, ajeitou novamente a camisa branca de botão que moldava discretamente os seios firmes envoltos por um sutiã branco de renda, e descia ajustada até a cintura fina terminando um pouco abaixo do cós da calça, sacudiu a cabeleira loira e viu os fios caindo em cascata por sobre o ombro e as costas, um pouco do seu perfume favorito, retocou o batom e pronto! Estava ótima! Pegou as chaves e se dirigiu ao Guet’s.
O curto caminho até o agradável bar podia ser facilmente percorrido a pé, mas a chuva impetuosa que caíra naquela tarde sobre o caminho de terra que levava a cabana tinha o tornado intransitável. Quando o motor potente do jipe roncou ela ligou o radio que estava sintonizado na estação local e ouviu uma balada country americana dos anos cinqüenta tocada pela banda da cidade vizinha que estaria se apresentando no Guet's naquela noite. Abriu um sorriso de satisfação enquanto cantarolava a melodia conhecida. Estava se sentindo genuinamente feliz naquela noite. Tinha a sensação de que um sonho a muito acalentado estava sendo realizado, sentia-se em paz. Este pensamento reacendeu uma pequena chama de medo em seu íntimo, sentiu o coração se acelerar descompassado. Tinha realmente direito a toda aquela felicidade e paz? Não queria realmente pensar em nada daquilo. Estava com vontade de se divertir, dançar e beber um pouquinho. Assim que estacionou o jipe na porta do bar tratou de afastar estes pensamentos desagradáveis da mente.
Julia afastou as portas duplas de madeira que delimitavam a entrada do Guet's. O ambiente era alegre e agradável, o burburinho das vozes era audível e o calor de todas aquelas pessoas reunidas foi como uma lufada de vento quente atirada na sua cara e a fez esquecer definitivamente aqueles pensamentos sombrios de alguns minutos atrás. O Guet's era um bar antigo na cidade. No inicio, quando o bisavô de Flavio, o velho Clancy Guetsemberg, inaugurara o bar ele era uma pequena birosca onde os homens se reuniam no final da tarde para tomar uma cerveja depois do trabalho. Não demorou muito para que a Sra. Guetsemberg fosse solicitada a colaborar com alguns dos seus quitutes e a sua fama rapidamente se espalhou pela cidade, assim como a qualidade da cerveja genuinamente Irlandesa que o velho descendente da terra das fadas tirava com precisão. Quando o irmão caçula se mudou para o país com a esposa, trouxe o violino e a gaita Irlandesa, que eram relíquias da família e logo os dois estavam tocando para deleite dos clientes e amigos. As noites de musica, dança e cerveja, se tornaram uma tradição nas sextas-feiras do Guet's e sempre atraíram um grande número de pessoas. Toda a cidade dava uma passadinha por lá, os velhos para colocar a conversa em dia e os jovens para flertar e se divertir.
Ela estava mais uma vez atônita com todo o movimento frenético, ainda estática na porta observou a desenvoltura das garçonetes que serviam as mesas, eram duas mocinhas jovens e alegres com os corpos perfeitos e uma desenvoltura que estimulava os clientes a tomarem mais uma dose. Julia deu dois passos adiantando-se para o salão e desviando-se por entre as mesas girava a cabeça tentando encontrar Rafaela. A mulher de cabelos pretos avistou a médica a sua procura e acenou. Enquanto se aproximava Julia pode notar o homem sentado ao lado de Rafaela. Um homem alto com os cabelos cor de cobre encantadoramente revoltos, e braços fortes aparentes pela manga da camisa jeans. Não foi muito difícil reconhecer aquele perfil, ele se infiltrara nos seus sonhos algumas vezes, assim como uma sensação de aperto no peito e um frio na espinha que a recordação de estar naqueles braços lhe provocava. Quando ele se virou discretamente para puxar os cabelos de uma das garçonetes e lhe aplicar um beijo na bochecha provocando o riso das pessoas ao redor do balcão, ela sentiu uma onda de ódio subir pela sua garganta. Ele era mesmo um canalha!
Ela estava bem perto deles quando Rafaela agitou as mãos e se jogou nos braços de Julia fazendo um estardalhaço que atraiu para elas toda a atenção do bar. Embora estivesse lisonjeada com a encantadora demonstração de afeto oferecida por aquela mulher divertida, Julia estava se sentindo também envergonhada. Nunca gostara de ser o centro das atenções, era discreta, sempre fora. Aprendera desde cedo em casa e na escola a ser discreta. Começou a sentir uma onda de calor tomar conta do seu corpo, subindo, subindo sempre até se concentrar em seu rosto e subitamente teve certeza de que aquilo faria sua pele ficar vermelha como um pimentão e isto aumentou a sua confusão. Rafaela percebeu como a amiga estava embaraçada e tratou de fazê-la sentar-se.
Dominic estivera atento a tudo desde que Julia entrara no Guet's, procurara por ela pelo canto dos olhos e se surpreendeu quando percebeu o coração se acelerar e as mãos tremerem ligeiramente em volta da caneca de cerveja. Rafaela acompanhou com interesse o efeito de Julia sobre o seu irmão, era algo novo. Estava acostumada a ver as mulheres suspirando apaixonadas e caindo aos pés daquele homem sensual e cheio de charme, mas jamais tinha visto Dominic perder o controle, ele sempre tinha o domínio da situação. Ficou intrigada tentando entender o que estava acontecendo, tinha cheiro de magia no ar, por mais que ela fosse linda e incrivelmente sexy, com seu jeitinho tímido, Rafaela não conseguia explicar o fluxo de energia que parecia emanar de seu irmão para uma mulher que lhe era totalmente desconhecida.
'-Oi? Como esta?' Perguntou Rafaela instalando Julia entre ela e Dominic.
Antes que a médica respondesse, ela providenciou a apresentação da amiga ao seu irmão que estava olhando fascinado para aquela mulher loira de olhos azuis ao seu lado.
'-Então você realmente adquiriu o pote de ouro?' Falou Dominic olhando bem dentro dos olhos de Julia e apertando suas mãos delicadamente com aquele sorriso convencido e irritante nos lábios.
'-Não se pode recusar quando a sorte bate a nossa porta'. Ela respondeu sustentando o olhar e retribuindo-lhe o sorriso.
Rafaela quebrou o encanto do momento com uma exclamação indignada.
'-Vocês já se conheciam?!'
Dominic limitou-se a confirmar com um movimento da cabeça, não querendo perder o contato com aqueles belos olhos azuis.
'-Seu irmão me socorreu em um acidente quando estive pela primeira vez aqui'. Ela resistiu ao impulso de completar a frase dizendo que ele também quisera fazer sexo com ela ali mesmo no Guet's.
'-Ora, isto torna tudo mais fácil, ele vai ajudá-la novamente com o transporte dos móveis, não vai Dominic?' E ela lançou ao irmão um daqueles seus sorrisos mais sedutores.
Foi neste instante que Julia percebeu porque o sorriso dela lhe era tão familiar, eles tinham o mesmo sorriso. Cínico, sexy, displicentemente flertando com todos a quem ele era oferecido, quase irresistível. Antes que Dominic pudesse responder ao apelo da irmã ela interveio.
'-Ah, por favor, Rafaela! Não tem sentido incomodar o seu irmão com uma coisa destas, eu já estou com o contato de uma transportadora'.
Ele comprimiu mais uma vez os dedos dela entre os seus e novamente olhou-a bem dentro dos olhos.
'-Não é incomodo algum, eu terei o maior prazer em ajudar. Será o meu pedido de desculpas, eu acho que estou devendo a você...' Não foi preciso continuar, ambos sabiam do que estavam falando. Mas aquela referencia ao ocorrido trouxe-lhe a mente a lembrança outra frase de Dominic quando ela estava de partida, '...Quando você voltar eu vou tê-la...'
Percebendo o que se passava na cabeça de Julia pela mudança em sua fisionomia ele sentiu medo. Uma sensação estranha de abandono e angustia se espalhou por todo o seu corpo. Não sabia por que, mas tinha certeza que não suportaria se ela o rejeitasse. Ficou se perguntando se era apenas seu orgulho ferido, mas no seu íntimo sabia que não era apenas isto. Estava mexido por dentro, sentia o seu sangue fervilhar e seu coração correr descompassado. Sentira-se assim na primeira vez que a vira, e agora estava se repetindo. Perdia o controle com ela por perto, fazia e dizia coisas que não queria. Agia como um bobo. Por mais que tentasse entender não sabia o que estava acontecendo, nunca se sentira assim com nenhuma mulher. Elas sempre o excitavam, despertavam as suas fantasias, faziam seu sangue ferver principalmente no seu sexo, mas Julia... Sentia o sangue borbulhando numa intensidade desproporcional, e em todo o seu corpo, não apenas em seu sexo...
'-Eu lhe devo desculpas, fui mesmo um grosso estúpido. Vamos passar uma borracha e começar novamente, e que a sua mudança seja o marco disto, ok!' Ele ofereceu a ela o seu sorriso mais irresistível e o brilho de suplica naqueles olhos cinzentos era tão intenso que Julia teve medo de ser ofuscada.
Ele era irresistível, ela sentiu suas últimas reservas ruírem. O restante da capa de ódio que levantara contra ele desde aquela noite se partiu e quando isto aconteceu foi como tirar um peso gigantesco das suas costas. Somente teve forças para retribuir ao sorriso e concordar com um gesto de cabeça. Propositalmente para quebrar a tensão do momento, Rafaela abraçou a ambos e pediu uma rodada de cerveja para comemorar. Naquela noite Julia se divertiu como há muito tempo não fazia. Saboreou com gosto a cerveja amarga, dançou até sentir os pés reclamarem e riu como há muito não acontecia. Chegou em casa completamente exausta, com as energias esgotadas. Tomou um banho rápido e dormiu um sono sem sonhos.


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Foi acordada na manhã seguinte pelo som da campainha de sinos e se levantou num pulo. Vestiu um curto hobe de sede preto sobre a camisola fina do mesmo tecido negro que contrastava com a pele leitosa e moldava de forma sedutora o corpo bem feito de Julia, deixando à mostra as pernas bem torneadas e desceu as escadas ainda sonolenta. Surpreendeu-se mais uma vez com a imensa claridade dourada que inundava a sala pela janela que ela esquecera escancarada e novamente aspirou encantada a fragrância do ar ao mesmo tempo que piscava algumas vezes tentando se acostumar com a luz que se infiltrava para dentro da sua casa. Quando ela abriu a porta deparou-se com a figura enorme e magnífica daquele homem maravilhoso com um sorriso gigantesco e sexy nos lábios e os olhos cor de fumaça brilhando por revê-la.
'-Oh, merda! Esqueci-me completamente... Oh, não! Que horas são?' Perguntou ela confusa e sonolenta.
Dominic ficou ali, estático, paralisado, como se tivesse sido atingido por um raio. Ele não havia se preparado para a visão de Julia com os olhos sonolentos, a voz ainda rouca do sono, o corpo escultural emoldurado por uma fina camada de seda e as pernas incrivelmente sexys aparecendo embaixo do hobe curto. Ele tentou se controlar, mas foi impossível não percorrer o corpo de Julia com os olhos, imaginando os segredos deliciosos que aquela fina camada de tecido negro escondia e sonhar em arrancá-la para deslizar as mãos e os lábios por toda aquela pele clara e sedosa. Engoliu em seco enquanto tentava fazer o seu coração acelerado se acalmar e forçou-se a manter o rosto impassível quando levantou os olhos passeando pela boca de Julia até se fixar nos belos olhos azuis, enquanto tentava afastar o pensamento de beijá-la até que ela se dissolvesse frouxa em seus baços.
Ela sentiu sua pulsação se acelerar também, e não era para menos! Ele era absurdamente sexy! Só podia ser um sonho, era isto! Ela ainda estava sonhando, pensou consigo, era só o que se podia imaginar quando um homem lindo e incrivelmente sexy aparecia na sua porta sorrindo e flertando descaradamente com você. Sonho ou realidade, ela percebeu que gostara do flerte, ficara absurdamente excitada! Deus! Estava ficando louca! Ela estava de camisola.
Dominic precisou de alguns minutos para se recompor e achou a maior graça ao perceber que aquela mulher linda e vestindo trajes mínimos estava completamente embaraçada a sua frente. Achou interessante observar as maçãs do rosto de Julia ficarem rubras e ela abaixar os olhos, envergonhada por ter se esquecido do compromisso e por estar diante dele em trajes tão íntimos. Não era algo que ela costumava fazer, receber estranhos em roupas de dormir, ainda que eles fossem encantadoramente sedutores como aquele prostrado diante da sua porta. Dominic por seu lado estava achando tudo muito divertido. Aquela mulher minúscula a sua frente, com a pele mais banca e os cabelos mais dourados que ele já vira, fazendo um esforço tremendo para se controlar e não sair correndo... Era positivamente a coisinha mais linda e sexy que ele já conhecera. Ele queria acabar com o sofrimento dela e então abriu novamente aquele sorriso sedutor.
'-Tudo bem! Passa um pouco das oito, mas se você me entregar à nota fiscal eu me encarrego de providenciar a entrega, enquanto você termina de acordar e tomar o seu café. É coisa rápida, com todos esses peões e o caminhão sua sala vai estar pronta antes do almoço'.
Foi só neste momento que Julia percebeu todos aqueles homens próximos ao caminhão, e enquanto desviava o olhar sentindo-se completamente 'perdida' agora que todos eles tinham-na visto de camisola, ainda assim ela pode ver os quatro homens respeitosamente retirando os chapéus da cabeça para cumprimentá-la.
'-Aguarde um minuto enquanto eu pego a nota'.
No intervalo de tempo em que estivera esperando por Julia, ele se permitiu olhar para a propriedade com olhos críticos. Já estivera ali inúmeras vezes. Era o seu segundo lugar favorito no mundo depois do lombo de Black Queem... Costumava ir ali se queria ficar sozinho, ninguém mais costumava ir ali depois que fora abandonado. Ele nunca se dava ao trabalho de reparar na propriedade, não era necessário. Estava ali, tudo o que precisava era sentar nos degraus da varanda e todos os seus problemas aos poucos iam se dissolvendo ao som dos passarinhos. Mas agora que estava novamente habitada Dominic se deu conta de que com exceção da cabana o restante estava realmente precisando de cuidados. Num rápido levantamento mental concluiu que Julia iria ter um bocado de trabalho para ajeitar tudo, e percebeu que esta poderia ser uma ótima oportunidade de se aproximar um pouco mais desta mulher tão encantadoramente arredia. Podia oferecer sua ajuda e com isto passar mais tempo perto dela... Seus pensamentos foram dissolvidos pela voz meiga de Julia.
'-Aqui está!'
Ela havia trocado de roupa e escovado os cabelos, estava magnífica! O vestido de verão em um tom de azul um pouco mais escuro do que os seus olhos, salpicado de bolinhas amarelas, assentava perfeitamente ao corpo de Julia e os cabelos exibiam o tom mais dourado que Dominic já vira. Linda! Definitivamente o azul era sua cor favorita para ela. Ele levantou-se e tomou as mãos de Julia nas suas, retirando o papel de entre os seus dedos, depois as levou aos lábios roçando-os delicadamente pelos nós dos dedos, e se surpreendeu ao perceber que ela tinha mãos grandes. Como podia? Ela era tão pequena, mas as suas mãos eram grandes, com dedos finos, porém longos. Eram mãos fortes, decididas! Uma pontada de excitação percorreu o seu corpo quando ele imaginou aquelas mãos passeando por sua pele. Para afastar aquela fantasia deliciosamente perigosa ele virou as mãos de Julia e pousou um beijo delicado em cada palma. A gentileza do gesto fez o coração se acelerar novamente no peito de Julia e ela retirou as mãos e se afastou rapidamente antes que Dominic pudesse perceber o rubor que coloriu a sua face.
Tão logo ele foi embora, Julia encaminhou-se para a cozinha. Duas finas camadas de manteiga sobre as fatias de pão integral e uma deliciosa xícara do mais puro expresso Inglês. Quando terminou de saborear a refeição e deixar a sua cozinha impecável, Julia se deu conta de que ainda havia algum tempo de sobra antes que Dominic e seus peões estivessem de volta. Quem sabe poderia dar um pulo no consultório havia uma porção de coisas pendentes. Tarefas que poderiam ser realizadas mesmo antes da chegada dos móveis. Precisava dar um jeito no arquivo das suas revistas, de outra forma quando precisasse fazer alguma consulta ficaria perdida. Consultou o relógio e deu-se conta de que mesmo com o tempo que lhe estava sobrando não seria possível ir até a cidade e voltar a tempo de recebê-los.
Quando colocou os pés na varanda de madeira e aspirou o ar puro da manhã uma idéia floresceu na sua mente. Retornou a cozinha e escolheu um pó aromatizado de menta e wisk de origem Irlandesa, e enquanto o líquido escorria para a sua xícara favorita, correu até o seu quarto e encontrou o que estava procurando. Abriu o grande manual das flores e apoiou o pesado livro de encadernação sofisticada no piso de madeira maciça. Deitou-se de bruços, apoiando-se nos cotovelos e começou a planejar o seu jardim. Não tinha a mínima idéia de quais plantas poderiam ser cultivadas ali. Na primeira meia hora se deliciou em simplesmente passar as páginas e escolher as mais belas rabiscando em um pedaço de papel as idéias que lhe vinham a cabeça.
Julia adorava plantas. Sentia-se à vontade com elas. Não se sentia tímida. Quando estava com as flores, podia ser ela mesma, sem qualquer máscara ou barreiras. Não precisava estar sempre bem, certa, impecável. Elas não a julgavam, não a comparavam com os outros, as plantas não tinham regras morais, certo e errado. Não exigiam nada, não queriam amor incondicional e eterno, não necessitavam de fidelidade. Só queriam ser cuidadas e retribuíam florescendo maravilhosas para o nosso deleite. Recordou com satisfação que desde pequena, sempre tivera habilidade com as plantas. Tinha o que as pessoas costumavam chamar de 'mão boa'. Sempre acompanhava a mãe nas atividades de jardinagem no fim-de-semana.
Dona Helena, inicialmente não gostara daquilo. Seu jardim era seu refugio, ninguém ousava perturbá-la ali. Havia tomado decisões importantes sob o refugio de suas plantas, elas eram suas testemunhas. E agora aquela criança ali, que coisa inconveniente! Mas bastaram alguns dias... Julia passava horas quieta completamente absorta numa interminável conversa com as flores. E sem ser orientada por Helena, apareceu com um baldinho e a pazinha de praia. Pegou um pouco do humo, água e tomou conta do canteiro de margaridas. Helena acabou por se resignar, não havia nada a fazer. Foi com uma imensa alegria que observou algumas semanas depois, como o canteiro estava bonito. As flores vistosas, as pequenas margaridas que haviam sido plantadas por Julia floresceram harmoniosamente.
O espírito jardineiro de Helena se encheu de orgulho e mãe e filha tornaram-se inseparáveis. As tardes de sábado eram sagradas. Ficavam horas lado a lado, sem dizer uma só palavra, apenas experimentando o prazer conjunto de mexer na terra. Em outros dias trocavam informações sobre novas técnicas de adubo, dividiam sementes... Quando foi para a universidade, esta foi uma das coisas da qual Julia mais sentiu falta, o jardim! Conservou o hábito de cuidar das plantas com os vasinhos que enfeitavam o apartamento, mas não era a mesma coisa. Sentia uma falta enorme do jardim e das tardes que dividia ali, com sua mãe.
Todos aqueles pensamentos flutuaram soltos e alegremente pela sua mente, enquanto ela folheava o livro das flores. Uma onda de felicidade inundou seu coração quando ela se deu conta de que estava planejando o seu jardim! Ao terminar de percorrer o livro, e observando todas as flores que havia escolhido, se deu conta de que não sabia que tipos de plantas cresciam ali. Fechou o livro, deu uma volta pelo jardim e decidiu que a primeira coisa a fazer era sondar pela cidade com os moradores. Pesquisa de campo! Era isto! Verificar de perto que plantas cresciam por ali.
Enquanto ela guardava a xícara onde havia tomado o expresso, Julia ouviu a chegada do caminhão. Ele foi estacionado bem na sua porta e ela apareceu na varanda no exato momento em que Dominic se preparava para tocar a campainha. Ele estancou o movimento e olhou encantado para ela. Julia tinha um raminho de flores silvestres entre os cabelos, parecia uma princesa! A magia do momento foi quebrada pela voz forte de um dos peões.
'-Patrão, vamos descarregar agora?'
'-Ah! Sim, claro'. Ele falou lutando para que a voz saísse firme.
Ela ficou sentada na varanda enquanto observava todos aqueles homens trabalhando incansavelmente sob o comando de Dominic. Era impressionante como ele tinha o pleno domínio da situação. Não precisava gritar, falava de forma calma, mas sua voz exibia uma autoridade incontestável. Os homens acima de tudo o respeitavam. Não demorou muito para que todos os móveis estivessem na sua sala. Agora tudo aquilo precisava ser levado para a biblioteca e depois seria preciso colocar tudo em ordem. Dominic despachou os peões de volta, para que eles fossem transportar os móveis que faltavam. Eram todos do consultório, e Rafaela estaria lá esperando por eles. Garantiu a Julia que a irmã não iria arrumar nada sem ela, só iria recebê-los. Julia concordou, mas fez questão de servir limonada e uma fatia do bolo que ela havia feito na véspera aos peões como agradecimento.
Quando eles se foram, Dominic começou a trabalhar na montagem das estantes. Espalhou as madeiras cuidadosamente pelo chão do quarto que iria se transformar na biblioteca de Julia e começou a analisá-las tentando captar a arquitetura da peça.
'-Puxa você tem mesmo uma peça rara aqui, e esta madeira... É maciça, é uma estante para o resto da vida'.
'-Foi amor a primeira vista'.
'-Olha, eu estou bem aqui. Vou demorar um pouquinho me familiarizando com as peças, mas tudo ok!'
'-Precisa de ajuda?'
'-Só mais tarde'.
Julia entendeu a mensagem. Ele queria trabalhar sozinho. Bom era melhor arranjar alguma coisa pra fazer.
'-Quanto tempo você acredita que demore?'
'-Hum! Talvez umas duas a três horas... Não muito mais que isto'.
'-Ok! Então vou preparar algo para comermos depois'.
'-Ótima idéia'.
Algum tempo depois, Julia subiu as escadas e se colocou na porta daquela que seria a sua biblioteca. Permaneceu estática, sentindo uma onda de calor invadir o seu corpo e seus pensamentos ficarem confusos. Aquele homem era perigoso, muito perigoso! Dominic estava ali, completamente envolvido, como uma criança a quem se entrega um brinquedo desejado. O tronco suado estava nu, agora que ele havia tirado a camisa. Tirara também as botas e parecia completamente à vontade, relaxado. Os músculos dos braços fortes moviam-se com destreza e habilidade. Sem perceber Julia passou a língua pelos lábios ao se imaginar deslizando as mãos por aqueles músculos poderosos...
A temperatura subiu vários graus e Julia sentiu a respiração ofegante e o pulso se acelerando. Uma tontura leve circulou por sua mente enquanto ela permanecia com os olhos fixos no corpo maravilhoso do homem em sua sala. A imagem de Dominic com o corpo másculo e viril parcialmente exposto, empunhando ferramentas e usando a força bruta para realizar o trabalho, evocou em Julia imagens de guerreiros celtas lutando bravamente para defender a costa da Irlanda e depois da batalha voltando famintos e sedentos para os braços de suas mulheres. Perigoso! Nossa, ele era definitivamente um perigo para qualquer representante do sexo feminino! E era também incrivelmente lindo e absurdamente sexy! Era preciso que ela estivesse morta e enterrada há três séculos para não se sentir excitada ao imaginar a sensação de ser esmagada sob aquele corpo escultural!
Ele continuava concentrado na tarefa, os braços movimentando-se no trabalho pesado, o tronco nu completamente encharcado de suor. Uma gotícula deslizou da sua nuca, percorrendo toda a extensão da coluna até se perder sob o jeans que moldava o traseiro perfeito. Julia sentiu a boca se encher de água ao se imaginar deslizando a língua pelo mesmo caminho até cravar os dentes naquela bunda maravilhosa. Uma mulher aceitaria de bom grado voltar ao tempo da escravidão se a tarefa fosse enxugar todo aquele corpo maravilhoso! Deus! Ele era mesmo perfeito! Uma verdadeira obra-prima.
Ela ainda estava tentando evitar que a língua saltasse da sua boca e se lançasse na pele molhada e suculenta de Dominic, quando ele se virou e seus olhos acinzentados se encontraram com os azuis de Julia. Ela sentiu um frio na espinha e os seus joelhos fraquejarem quando ele lhe sorriu.
'-Eh! Ah! Eu trouxe uma limonada esta bem quente por aqui, não?'
- Ham-hã... Ele balbuciou concordando com a observação de Julia.
Estava mesmo quente ali, mas era um calor diferente, um calor que se irradiava de um para o outro e fazia o ambiente no quarto parecer um caldeirão fervendo de desejos. A forma como ela olhara para ele, mesmo quando Julia tentou disfarçar, fora muito clara, desejo! Ela o desejara, um desejo puro e bruto, sem mascaras, sem reservas, cru. Homem e mulher, era sexo, tesão, necessidade de acasalar o que ele vira naquele olhar e aquilo aumentou a temperatura da sala em mais alguns graus. Ele esfregou o suor da testa com as costas das mãos e sentiu a garganta seca enquanto lutava para tentava responder a oferta de Julia. Ponderou que estava com sede, mas não de limonada, a sua sede era dela, de Julia. E ele pretendia saciá-la, mas aquele não era o momento e nem o lugar. Sabia que teria que ser cuidadoso. Ainda que Julia o desejasse também, sabia que ela era tímida e eles haviam tido muitos problemas quando se encontraram da primeira vez. Estava conseguindo quebrar as reservas dela, e pretendia continuar a derrubá-las até que ela estivesse em seus braços, sem ressalvas, sem medos, sem receios. Fraca! Rendida! Domada! Conquistada! Seduzi-la, seria como cultivar as flores no seu jardim. Um trabalho que exigiria paciência e delicadeza. Mas ele era bom nisso.
'-Um pouco. Eu bem que agradeceria algo para beber. Pode deixar ai perto da porta, obrigado!' Ele pediu, ponderando que não era seguro que Julia se aproximasse. Não tinha certeza de poder controlar o desejo de possuí-la ali, naquele minuto se sentisse seu perfume, aquele cheiro de primavera parisiense que ela exalava era irresistivelmente sexy e um homem tinha que estar morto, cego e surdo se não sentisse vontade de devorá-la por inteiro ao senti-lo.
Mais uma vez ela se retirou.
A salada de pimentões estava pronta e o salmão estava delicadamente assado. Julia começou a colocar os talheres na mesa, quando escutou a voz forte e máscula chamar seu nome.
'-Julia'.
'-Sim, Dominic?'
'-Pode me ajudar com o tapete?'
Ela já estava chegando a biblioteca e precisou prender a respiração ao ver a parede completamente coberta pela estante. Magnífica!
'-Acho que devemos abrir o tapete antes de trazer o restante dos móveis. Você pode me ajudar, é preciso que ele fique bem esticado'.
'-É claro!'
Eles posicionaram o tapete em um dos cantos da sala, e começaram a desenrolar com cuidado. Lentamente foram abrindo o elegante mosaico, deixando-o bem esticado. E quando todo o chão ficou coberto eles se sentaram ofegantes. Simultaneamente percorreram a sala com o olhar cuidadoso, e ao mesmo tempo perceberam a pequena ondulação. Num instinto de perfeccionismo correram as mãos para corrigi-lo. Seus dedos se tocaram levemente, mas foi o suficiente para acender um fogo entre eles.
Dominic sentiu-se dominado pela violência da emoção que experimentou. Foi como uma descarga de trovões das tempestades tão comuns nos fim de tarde em Nova Esperança. Como ser tragado para o olho do furacão. Seu coração batia forte, as mãos tremiam, sentia-se paralisado, ali na frente dela. Queria tocá-la, acariciar sua pele, beijá-la... Mas, não conseguia se mover. Ele usou as mãos para emoldurar o rosto de Julia, olhou dentro dos grandes olhos azuis daquela mulher e abriu um sorriso sedutor.
'-Você é linda!'
Ela fechou os olhos e retribuiu o sorriso ao sentir o toque das mãos dele em sua face. Ásperas, rudes, mas ao mesmo tempo com um toque surpreendentemente delicado. Uma onda de prazer cresceu a partir do seu sexo e se espalhou por todo o seu corpo, enquanto ele deslizava suas mãos pelo corpo de Julia. Queria apreender nos seus dedos todo o seu contorno, queria conhecê-la por inteiro. Cada curva do seu corpo, todos os seus poros.
Julia permaneceu imóvel, quieta, apenas sentindo o toque das caricias daquele homem, percebendo sua pele vibrar e esquentar sob aquelas mãos fortes, sua respiração e seu coração se acelerarem. No instante em que sentiu a boca de Dominic se ajustar a sua, o hálito másculo e viril sendo soprado na sua cara, a respiração daquele homem sensual se acelerar acompanhando a sua, ela perdeu o controle. Agarrou Dominic com um furor que surpreendeu a ela própria. Satisfazendo seu desejo, deslizou as suas mãos pelas costas nuas do homem em seus braços, sentindo os músculos fortes e aspirou a fragrância da sua pele.
Ele deitou-a de costas no tapete que eles haviam acabado de esticar sobre o chão da biblioteca e colou o seu corpo sobre o dela e Julia experimentou a delicia de ter o corpo viril de Dominic esmagando o seu contra a superfície macia do tapete. Ele continuou a explorá-la deslizando as mãos rudes de um homem acostumado a trabalhar a terra sobre o corpo delicado de Julia por dentro do vestido azul, subindo até encontrar os seios que já estavam duros para deslizar os polegares sobre os mamilos fazendo-a gemer e cravar os dentes no ombro musculoso de Dominic.
Deliciada com o sabor da pele dele, Julia deslizou a língua descendo até o peito para sentir o coração de Dominic acelerado contra a sua boca, satisfazendo a sua fantasia de lambê-lo por inteiro. Quando ele desceu mais uma vez as mãos pelo seu corpo até encontrar o centro do prazer de Julia e provocar o gozo ao introduzir os dedos dentro dela, ela abandonou todo o controle perdendo-se na insana delicia que era ser possuída por ele.
Mas ela queria mais, queria que ele também se perdesse por inteiro dentro dela. Ainda tremendo pela última onda de prazer que ele lhe provocara ela lutou contra as suas últimas reservas de cautela e avançou despudoradamente para a calça de Dominic, desabotoando o cinto de ferramentas que ele usara para o trabalho bruto e jogando-o longe, abriu o zíper do jeans, expondo o sexo que se projetava sob a cueca revelando todo o desejo que ele estava sentindo.
A manobra ousada de Julia foi à senha. Ele levantou o seu vestido e expôs os seios delicados segurando-os nas mãos e depois os sugando como um bebe faminto, até que os mamilos ficassem molhados e de novo completamente endurecidos. Ela correspondeu soltando um gemido alto e enlaçou as pernas em sua cintura colando seu corpo ao dele e apertando-o contra a sua pelve. Ele reconheceu que ela estava pronta e penetrou-a de uma forma firme, plena e definitiva. Eles completaram o ato e então Dominic escorregou lentamente para o tapete, aninhando Julia em seus braços sobre o seu corpo.
Enquanto sentia sua respiração e seu coração se acalmarem Dominic tentava entender o que acabara de acontecer. Estava se sentindo mortificado. Jamais tratara uma mulher com tal falta de delicadeza. Fora indesculpavelmente grosseiro. Mas não conseguia negar que nunca sentira tanto prazer em estar dentro de uma mulher como sentira ao possuir Julia. Acariciou-lhe lentamente os cabelos e sussurrou em seu ouvido.
'-Você esta bem? Machuquei-a?'
Ela achou graça do tom de preocupação na voz dele. Machucá-la? Que loucura é claro que não! Ela estava deliciada de prazer, um prazer definitivo. E ternura. Houvera ternura por baixo de todo aquele furacão de desejo que os incendiara. Ela nunca havia experimentado aquela combinação de sensações. Fora um momento único, e mágico. Poderoso! Observou que ele a fitava aguardando a resposta ofereceu-lhe um sorriso tímido e respondeu.
'-Você me deu um prazer que eu jamais experimentei antes'.
Ele soltou o ar que estivera prendendo enquanto aguardava a resposta, olhou-a dentro dos olhos e viu o prazer refletido ali como um selo de garantia das palavras que haviam saído da boca de Julia e então sorriu. Aquele sorriso sexy e poderoso que era capaz de fazer qualquer mulher suplicar para se tornar sua escrava.
'-Eu... Não foi de propósito, mas, eu não usei nada... Sei que não vou te passar nada, sou saudável, mas...'
Não foi preciso que ele completasse a frase, ela sabia do que ele estava falando. Gravidez. Eles estavam tão cheios de desejo que nem se lembraram dos cuidados básicos em uma rodada de sexo casual. E ela era médica! Sabia que não se devia fazer sexo sem proteção com um desconhecido. Mas o curioso é que confiava nele. Sentia-se segura, sabia que ele estava sendo verdadeiro quando lhe disse que era saudavel. E mais ainda, sentiu o cuidado dele em revelar a ela a sua condição. Era um homem honesto, era isto que ele irradiava honestidade, franqueza.
'-Eu também sou saudável. E não se preocupe porque estou protegida, ainda estou usando o DIU.'
A confusão da mudança fizera com que Julia esquecesse o DIU. Ela deveria te-lo tirado quando rompera com Rodrigo. Mas com todas as providencias necessarias para a sua mudança, aquilo acabou esquecido.
Dominic acariciou delicadamente o contorno da boca de Julia e roçou os lâbios suavemente sobre os dela, como se ele dissesse que adoraria ter um filho com ela, mas no momento certo. Foi um gesto terno e com tamanha cumplicidade, que ela preferiu não racionalizar naquele momento. Dominic também percebeu a ternura do momento, e também sentiu-se amedrontado pela força daquela energia. Para quebrar a tensão ele falou de forma descontraida.
'-Ei, que tal aquele vinho e a sua salada, depois posso te dar prazer de novo, na cama'.
Ao terminarem a refeição, ele a tomou nos braços e subiu as escadas carregando-a no colo. Chegando ao quarto, ele deitou Julia suavemente na cama, beijo-a com enorme ternura e falou.
'-Agora eu serei terno e carinhoso, como você merece'.
Dominic cumpriu a promessa. Lentamente se despiu colocando a mostra o corpo másculo e viril que fez um arrepio de prazer percorrer a pele de Julia. Com ternura expôs a pele clara de Julia, exibindo toda sua nudez. Deitou-a na cama e permaneceu alguns minutos mudo, atento, curioso, explorando cada detalhe daquele corpo, guardando as imagens na sua memória fotográfica.
Fechou os olhos e se aproximou. Utilizou o seu olfato para aspirar a fragrância da pele dela. Catalogar todos os seus cheiros registrando-os na sua memória olfativa e capacitando-se a reconhecê-la apenas pelo olfato. Aquele cheiro de primavera em Paris que ela exalava e que evocava nele fantasias de fazer amor a beira do Senna, ou no alto da Torre Eiffel por tardes inteiras.
Mais uma vez explorou com a ponta dos dedos e com as mãos cada caminho, cada curva de Julia. Demorou-se propositadamente nos mamilos, experimentando a mudança de textura ao seu toque. Sentindo a resposta da pele sedosa e clara ao toque áspero das suas mãos de homem do campo. Sabia que nenhum dos amantes anteriores que ela tivera fora capaz de provocar esse contraste, eram homens da cidade, provavelmente burocratas, com mãos lisas e finas. Queria que ela se sentisse marcada com seu toque rude, que ela fosse incapaz de esquecer a sensação das mãos dele deslizando por sua pele e excitando-a quase dolorosamente, levando-a ao limite.
E por fim ele resolveu aprende-la pelo gosto. Aplicou a sua língua em toda a sua pele, sentiu o sabor dos seus olhos, deliciou-se novamente com o gosto dos lábios e da língua de Julia. Desceu e saboreou a reentrância sutil do pescoço. Sentiu o coração de Julia pulsando acelerado na curva do pescoço, logo abaixo da orelha, próximo a curva da mandíbula, seria capaz de ficar eternamente saboreando o gosto da sua pele ali. Saciando a fome de devorá-la, somente provando aquele ponto. Ela era um banquete de sabores variados. Arrastou a língua deslizando-a pelo pescoço esguio e perseguiu este caminho até atingir os seios. Explorou delicadamente a maciez dos seios firmes e cheios como pêssegos maduros, e aprendeu com suprema e quase reverente atenção a delicadeza dos mamilos que ficaram mais escuros e rígidos com o toque das suas carícias.
Ele a estava torturando com toda aquela delicadeza. Levando-a muito além do limite, a completa insanidade. Seu corpo era como massa de moldar sob as mãos e os lábios dele. Ela queria tocá-lo também, lambe-lo, prová-lo, mas suas defesas e suas forças estavam inacessíveis, sentia-se flutuar numa imensa e interminável onda de prazer. Nunca sentira nada parecido antes. Suspeitara, ao vê-lo trabalhando com os músculos fortes e o cinto de ferramentas pendurado nos quadris que Dominic era perigoso, mas agora sabia que ele era muito mais perigoso do que ela poderia imaginar. Ele tocava seu corpo com a sabedoria de um amante muito antigo, despertando prazeres que ela nem mesmo conhecia. Saciando carências que Julia jamais imaginou possuir. Possuindo-a como se reivindicasse a primazia e o direito de amá-la, como se ele fosse o único com o direito de fazê-la se sentir mulher. Envolvia seu corpo num frenesi de desejo e prazer com ternura e gentileza, e ela temia que ele pudesse igualmente tornar cativo e domar seu coração.
Dominic continuava a sua jornada, explorando-a por inteiro como desejara fazer desde o primeiro instante em que a vira. Deliciou-se em percorrer a sua barriga e propositalmente saltar-lhe o sexo, caminhou pelas suas pernas até os pés. Chupou delicadamente cada dedo e depois repetiu o gesto com as mãos.
Só então, percebendo-a completamente atordoada de prazer atirou-se sobre o seu sexo. Ávido por conhecer o gosto do seu centro de prazer. Acariciou-a delicadamente com a língua, alisando cuidadosamente os pelos e deixando-a completamente molhada, tanto por sua excitação, quanto pela saliva. Começou a penetrá-la com a língua em movimentos delicados e vigorosos levando-a as nuvens. E mesmo quando percebeu os gemidos de prazer que indicavam que Julia estava próxima do gozo, ele não interrompeu a sua ação e continuou a explorá-la com a sua língua em movimentos lentos e delicados, torturando-a de prazer, levando-a a beira do abismo, ao limite do gozo, até que foi impossível para ela sustentar tal situação. Num gesto rápido que revelava toda a sua urgência Julia agarrou-lhe os cabelos e puxou a cabeça de Dominic para que eles se olhassem nos olhos, e gritou.
'-Possua-me! Agora! Por favor, rápido!'
Ele ouviu a suplica desesperada de Julia, mas ignorou-a e novamente retomou a sua exploração utilizando a sua língua num balé erótico que a fez gozar mais uma vez, gemendo alto e arqueando o corpo como se fosse uma corda esticada no limite da sua tensão para depois desabar com tremores e espasmos de prazer até se sentir completamente frouxa e inerte.
Só então ele aproximou-se dela, arrastou a língua pelo seu abdome e beijou-a delicadamente nos lábios, enquanto subia na cama e posicionava-se entre os joelhos de Julia afastando as suas pernas para depois mergulhar dentro dela e satisfazer o seu próprio desejo, enquanto ela gozava novamente ao recebê-lo dentro de si. Exaustos, adormeceram nos braços um do outro.


***

Dominic foi acordado pelo barulho intenso do vento da tarde que entrava pela janela escancarada do quarto, juntamente com o restinho dourado do sol que era encoberto pelas nuvens habituais nas tempestades de verão tão comuns nesta época em Nova Esperança.
Abriu os olhos com cautela e de maneira sonolenta. Neste instante suas narinas foram invadidas pelo agradável aroma de café, e ele reconheceu Julia sentada ao seu lado, as costas envoltas na seda preta do curto hobe viradas para ele e na mão a sua inseparável xícara.
Deslizou a mão e suavemente percorreu o contorno de sua espinha, percebendo o corpo de Julia se agitar num tremor de excitação. Com a mente livre, encantado pela ternura do momento ele murmurou.
'-Você sabe há quanto tempo desejo isto?'
As suas palavras foram como flechas disparadas certeiramente na mente de Julia. Arrancaram-na da languidez daquele momento ao se chocarem com outras palavras pronunciadas por esta mesma voz quente e sensual meses atrás 'Quando você voltar, eu vou tê-la.'
A sensação de prazer e felicidade experimentada até aquele momento foi sendo gradativamente substituída por raiva. Sentia suas entranhas se revirarem e o gosto amargo do ódio subir pela sua garganta.
Lágrimas de fúria e de vergonha ameaçam inundar a sua face, mas ela se forçou a conte-las. Engoliu em seco, respirou fundo e sem se virar para Dominic falou lutando para que as palavras fossem audíveis.
'-Por favor, vá embora.'
Ele teve plena certeza de que não escutara. Não podia ter escutado aquilo 'Vá embora!' O que estava acontecendo? Eles estavam felizes! Novamente ele escutou, quase um sussurro, lutando para ser ouvida por entre as lágrimas que ela se esforçava para reprimir.
'-Vá embora, por favor.'
Mais uma vez ele se recusava a acreditar, mas as palavras ressoaram vivas e claras na sua mente. Dominic se levantou, vestiu as calças que estavam jogadas ao chão e se retirou sem dizer uma palavra.
Sua garganta estava ressecada, a respiração saia com dificuldade. A mente estava atordoada como se milhões de sinos estivessem replicando ao mesmo tempo. Não conseguia entender o que estava acontecendo.
Loucura! Vá embora! Há algumas horas atrás ela estava gemendo de prazer em seus braços, e agora isto? O que ele tinha feito de errado?
Estacionou a caminhonete e correu para a baia. Calçou a perneira e as esporas, colocou o chapéu e começou a preparar o cavalo. Manta, cabresto, arreios, cela. Ele puxou o animal e afagou-lhe o pelo. Black Queem era uma égua campolina de pelo negro. Um belo espécime
Dominic montou com agilidade e leveza, naturais a um cavaleiro nato. Calçou os pés confortavelmente no estribo, segurou as rédeas firmemente nas mãos e empinou as costas se preparando para o movimento. A égua estava quieta reconhecendo a autoridade do dono. Ele apertou as esporas contra os flancos do animal, ao mesmo tempo em que movimentava as mãos de maneira firme insitando-o ao movimento.
O animal iniciou o trote de maneira tímida. Mas ele sentia seus pensamentos desconexos e o sangue correndo acelerado em suas veias. Não queria o trote lento e cadenciado do campolina. Necessitava de movimento, um galope frenético, o vento e a chuva batendo no seu rosto, para acalmar o seu coração.
Novamente enfiou as esporas nos flancos do animal e mais uma vez movimentou as rédeas dando o comando para que Black Queem aumentasse o ritmo. A égua obedeceu, acelerou o galope e Dominic repetiu o gesto, até que eles atingiram a harmonia do movimento. Aquela comunhão única e inexplicável entre homem e cavalo. Era uma sensação libertadora aquela. Todos os seus pensamentos foram abandonados enquanto ele acompanhava o ritmo do animal, um movimento uniforme como se eles fossem uma unidade.
Cavalo e cavaleiro cortaram as pastagens verdes debaixo da chuva insistente que caia, e começaram a subir a colina. O animal instintivamente aumentou o ritmo preparando-se para a subida. E quando eles chegaram ao topo, Dominic utilizou as mãos num movimento ágil e seguro puxando as rédeas, Black Queem estancou obediente.
Estavam ambos ofegantes e molhados, de suor e da chuva. Dominic ereto na cela contemplou a extensão de suas terras. Era sempre uma visão deliciosa. Sentia-se em casa ali, estava no seu elemento, fazia parte daquilo. Era sempre confortador.
E então, tão subitamente quanto à chuva parou, as palavras vieram a sua mente. 'Você sabe há quanto tempo desejo isto?' O que havia de errado naquilo? Estivera desejando-a desde... Desde... Desde que ela... E aquela frase se descortinou, clara, mais real do que a sela quente do cavalo ardendo na sua virilha. 'Quando você voltar, eu vou tê-la’.
- Idiota! Grande idiota! Grandessíssimo idiota! Você é o homem mais burro da face da terra. Mas será possível? Ela acreditava mesmo naquilo? É claro! Porque ele sempre perdia a cabeça quando estava com ela? Nunca uma mulher mexera tanto com ele, ela fazia seu sangue ferver só de pensar nela. Lembrar do corpo de Julia embaixo do seu, da maciez dos seios, da delicadeza da pele, do sabor adocicado do seu hálito e do prazer inigualável e jamais experimentado com qualquer outra mulher, de penetra-la, fez Dominic sentir-se excitado.
Uma sensação diferente invadiu o seu corpo, mais do que o desejo físico... Era... Estava sentindo uma ternura que nunca experimentara antes. Uma vontade enorme de cuidar dela faze-la feliz, dissipar as nuvens de medo, dúvida e insegurança que percebia pairarem sobre ela.
Sem sentir, sua mente foi invadida por pensamentos furiosos. Quem ela pensava que era? Petulante! Com aquele narizinho sempre empinado, afetada! Mas, quando esteve em seus braços, gemeu. Sim, cheia de prazer, pedindo mais, faminta por fazer sexo com ele. Ela tremera embaixo dele, ofegante, se contorcendo no êxtase do prazer. E ela tinha gozado, Deus! Nunca vira uma mulher gozar como ela! E depois, 'Vá embora'. Petulante!...

***

A semana seguinte transcorreu agitada. Receber todos os móveis do consultório, organizar o espaço com Rafaela, programar o agendamento dos clientes, instalar o telefone e os programas no computador. E ainda arranjar alguém para ajuda-la a terminar a arrumação da cabana. O sacana do Dominic tinha armado tudo aquilo só pra dormir com ela, canalha! Deixara tudo pela metade.
Julia acabou chegando a conclusão de que seria importante ter computador também na recepção, facilitaria o trabalho de Rafaela e iria lhe permitir delegar tarefas a ela. Não havia escolha, teria que voltar a cidade para comprá-lo, aproveitaria para fazer uma visita a Laura, já estava com saudades da amiga. Fez o convite e Rafaela ficou encantada, iria conhecer Nova Era!

***