sábado, 29 de outubro de 2011

DEVERES, SONHOS E PAIXÕES - Capitulo 5

Capitulo 5

Laura Asher era uma das melhores amigas de Julia, embora separadas por quase cinquenta anos de diferença na idade as duas eram muito ligadas.
Uma mulher alta de cabelos castanhos e ligeiramente ondulados, os olhos eram como duas bolas de gude com uma tonalidade verde pálida e exibiam um brilho divertido e fogoso.
Na juventude o corpo de curvas bem definidas, exibia uma graça desconcertante. Ela era displicentemente elegante e isto representava a maior parte do seu charme.
Mesmo agora, aos oitenta e cinco anos ela mantinha o porte altivo e a vaidade intocada mantinha os cabelos com a tonalidade ligeiramente mais clara que a da sua juventude, as roupas discretas e elegantes e o rosto sempre impecavelmente maquiado. Os anos dedicados ao tênis e a natação mantinham seu corpo firme e no lugar. Ela ainda tinha a agilidade e a energia da juventude.
A elegante senhora fora à única pessoa a apoiar Julia em sua ida para Nova Esperança. Quando a jovem cardiologista procurou a velha catedrática, esperando por sua aprovação para a sua mudança de vida, a Dra. Laura se lembrou de sua própria historia e ofereceu seu apoio incondicional e irrestrito a amiga.
A médica experiente era a maior autoridade nacional em reabilitação cardíaca e chefiava o serviço de cardiologia da universidade.
Parecia que fora ontem! Ainda podia sentir a euforia e excitação quando definiu o seu futuro, e tinha que admitir um pouquinho de medo!
Tinha sido difícil. Não tomar a decisão, esta foi sendo descortinada em sua alma ao longo do curso medico, mas revela-la a família.
Os pais da Dra. Laura eram judeus, e o Dr. Jeremy Asher era um médico renomado no sul do país e um empresário ainda mais bem sucedido. Com sua habilidade técnica apurada o Dr. Jeremy rapidamente se tornou o medico mais requisitado da cidade, e com o forte conhecimento comercial natural ao seu povo, logo estava abrindo a sua primeira clínica.
Em pouco tempo atraiu outros médicos e inaugurou o complexo hospitalar mais sofisticado e moderno daquela região. Ele era o médico particular de toda uma casta de pessoas importantes, desde políticos até empresários.
Seria natural esperar que a sua primogênita, Laura Asher, que precocemente demonstrou um interesse genuíno pela medicina seguisse seus passos. Quando ela foi aprovada no vestibular da universidade mais concorrida do país se tornou o orgulho da família.
Ao final de seis anos, o velho Dr. Jeremy já fazia planos para receber a sua sucessora, vinha plantando o caminho da sua menina aos poucos, colocando-a em contato com os seus pacientes que ele tencionava entregar aos cuidados da Dra. Laura tão logo ela completasse a residência.
Ela travou uma dolorosa batalha de consciência nos dois últimos anos de sua graduação, já sabia que não queria voltar para casa dos pais. Seu sonho era permanecer ligada a universidade, gostava deste vínculo e nutria uma ambição secreta de se tornar titular da cadeira de cardiologia. Queria ser notada, sabia que era boa e não queria ficar isolada numa cidade pequena e com pouca expressão no cenário nacional.
Era uma ambição, talvez pouco louvável, mas era verdadeira. Queria ser conhecida, palestrar em congressos, escrever artigos, livros, fazer pesquisa, desenvolver alguma coisa importante. Ter o seu nome na história da cardiologia do país e do mundo.
Foi doloroso desapontar o pai, ele era o seu herói, fora por sua causa que ela escolhera a medicina. Mas, ainda assim Laura não conseguia suportar a idéia de passar a vida fazendo menos do que achava que podia.
Esta foi à razão pela qual o Dr. Jeremy aceitou resignado a decisão da sua filha. Eles eram mesmo iguais, também ele mudara o rumo de sua vida para realizar o seu sonho. Quando entrou para o curso medico, estava abandonando uma tradição antiga na família Asher, onde o primogênito herdava o armazém e se encarregava de garantir o emprego dos outros membros da família. O armazém passou para o segundo filho Joshua e Jeremy ingressou na faculdade.
Não podia recriminá-la, estava fazendo exatamente aquilo que ele lhe ensinara, seguindo seus sonhos e seu coração. Ofereceu a sua filha aquilo que todo pai possui, o orgulho e o amor da afeição paternal e a ajuda que ela precisasse.
Laura Asher se mudou em definitivo para Nova Era e se instalou próxima à universidade onde já estava trabalhando como plantonista do setor de emergência. Recusou polidamente qualquer ajuda material do pai, queria vencer sozinha, por outro lado era confortador saber que ele estaria por perto se ela precisasse.
Não foi um capricho infundado ou uma atitude impulsiva a sua decisão. Amadureceu o planejamento de seu futuro durante todos os anos que cursava a graduação. Construiu um embasamento teórico sólido, uma pratica medica impecável e não se esqueceu de cultivar uma rede de relações bastante satisfatória. Sabia o que queria, e sabia que era capaz.
Não demorou muito a perceber que a área que mais a interessava entre todas era a reabilitação cardíaca. Lia avidamente sobre o assunto, estava sempre antenada com as novidades, era incansável em acompanhar os congressos e não demorou muito a se tornar amiga dos profissionais que atuavam nesta área.
Tão logo terminou a sua residência em cardiologia completou a sua formação acadêmica com brilhantismo tornando-se mestre e doutora em cardiologia e aprofundando os estudos sobre a reabilitação cardíaca no infarto do miocardio.
Defendeu com entusiasmo a sua idéia e conseguiu o apoio do Prof. Antonino, o titular da cardiologia para iniciar um modesto serviço de reabilitação no hospital. Trabalhou com afinco, muitas vezes utilizando suas próprias economias para fazê-lo funcionar, mas era gratificante ver os doentes se recuperarem.
Numa época em que a maioria dos infartos era tratada com um período prolongado de repouso, a Dra. Laura movimentava os seus pacientes precocemente. Logo os resultados começaram a aparecer, menores índices de complicação, menor tempo de internação e pacientes retornando mais precocemente as suas atividades laborativas.
Aos vinte e oito anos já ocupava a chefia do setor de emergência.
Foi nesta época que a oportunidade bateu a sua porta e Laura Asher com a astúcia natural dos judeus, reconheceu e abraçou-a.
Estava de plantão numa quarta-feira quando receberam aquele senhor de cabelos brancos evoluindo num quadro de infarto agudo do miocárdio da parede anterior. Era Vicenso Perluiggi o presidente e acionista majoritário das Industrias Perluiggi.
Era um quadro grave e uma ação rápida e eficaz era vital. A Dra. Laura assumiu o caso com energia e empregou toda a sua habilidade para conduzi-lo com sucesso. Ainda que ela fosse jovem e houvesse muitos outros profissionais experientes e renomados no corpo clinico do hospital, o Sr. Vicenso insistiu em ser acompanhado pela Dra. Laura Asher. Ela era jovem, esperta e eficiente, sabia que estar na chefia do setor de emergência tão jovem significava que ela era também competente. E mais, ela o fazia recordar a sua neta que fora morar na Itália.
A coisa que mais apavorava Vicenso em ficar doente não era o medo da morte, mas o pavor de que todos aqueles médicos o mandassem parar, entregar os pontos, pendurar as chuteiras...
Foi com bastante satisfação que ele percebeu a vitalidade e a juventude da Dra. Laura e reconheceu que ela era a resposta a todas as suas preces.
Essa encantadora judiazinha não iria trata-lo como um inválido, pelo contrario estava constantemente estimulando-o a se movimentar e considerava imprescindível que ele retorna-se as atividades e aos exercícios.
Na semana que ele voltou a ficar internado para a cirurgia de ponte de safena eles conversaram bastante. Vicenso conheceu a paixão da Dra. Laura pela reabilitação e ficou fascinado pelos benefícios da atividade física na recuperação de doentes como ele que haviam passado por uma cirurgia de coração.
Mas, quando ele quis se associar a um programa de reabilitação ela lhe informou que não existia um serviço especializado como este na cidade, aliás havia somente um centro de reabilitação funcionando ao norte do país e o projeto inicial da Dra. Laura ali na universidade...
Vicenso demonstrou então porque era um dos mais bem sucedidos homens de negócio do país. Percebeu a oportunidade de um ramo novo e inexplorado nos negócios e ofereceu a Laura a oportunidade de realizar o seu sonho e montar o centro de reabilitação da universidade. Queria que ela coordenasse a construção e dirigisse o serviço de reabilitação.
Designou o seu neto predileto e sucessor natural na presidência da empresa, Vicenso Perluiggi Neto, para ajudá-la.
Aos trinta e um anos, Vicenso Perluiggi Neto, era um homem alto e corpulento, com o porte elegante dos italianos e músculos atléticos mantidos nas partidas de tênis que ele jogava religiosamente todas as manhãs antes de sentar-se na sua cadeira na vice-presidência das Indústrias Perluiggi.
Os cabelos negros eram crespos e abundantes, os olhos eram de um azul límpido e profundo. A boca era um rasgo amplo e escancarado no meio da face e exibia dentes fortes e de uma brancura inigualável.
O queixo quadrado onde se insinuava uma discreta fenda transversal e o nariz aquilino completava a figura elegante deste descendente de italianos, que era um dos jovens mais cobiçados do país.
Nos meses que se seguiram eles se viram todos os dias. Discutiram orçamento, planejamento estratégico, espaço físico, contratação de pessoal e todos os detalhes para a montagem do negócio.
Almoçaram juntos um grande número de vezes e jantaram em algumas oportunidades, sempre acompanhados de outras pessoas, técnicos, economistas, arquitetos... No entanto a atração entre eles era tão evidente que ambos sabiam o que iria acontecer, só não podiam saber quando...
Apos dois meses de trabalho intenso e exaustivo eles tinham todo o projeto estruturado, o orçamento para execução e o cronograma da obra que iria iniciar sem mais demoras. E quando Vicenso Neto convidou Laura para comemorarem o sucesso do projeto com um jantar, a sós, ela aceitou prontamente, e ambos sabiam o que iria acontecer.
Seis meses depois o Centro de reabilitação cardíaca estava sendo inaugurado com um coquetel de gala, que contava com a presença de todo corpo clínico do hospital, da diretoria das Indústrias Perluiggi e as pessoas mais influentes da cidade.
Uma semana após a inauguração do centro de reabilitação, Vicenso Perluiggi Neto apresentou a família a sua futura esposa e no final do ano o jovem casal estava se mudando para a mansão Florença, uma espaçosa casa com um enorme jardime um bosque nativo que fora o presente de casamento do patriarca dos Perluiggi.
Eles formaram um casal alegre e bonito por quase cinquenta anos, quando um linfoma tirou a vida de Vicenso.
A Dra. Laura exerceu toda a sua capacidade de organização para cuidar da sua vida. Continuou a trabalhar incansavelmente e foi progressivamente conquistando o respeito e a admiração dos seus colegas, e recebia também o orgulho e a admiração do seu afetuoso marido.
Mesmo com todo o ritmo alucinante que sua vida profissional envolvia, quando ela assumiu a cadeira de professora adjunta da universidade e integrou o serviço de reabilitação como uma disciplina adicional no currículo dos residentes e pós-graduandos, e ainda na chefia da emergência ela encontrou tempo para engravidar três vezes e dar a Vicenso três herdeiros.
O primogênito, Vicenso Terceiro que se formou em economia e seguiu os passos do pai. Jonas, que se interessou pela advocacia e acabou se tornando juiz federal e o caçula, Alexandre, que ingressou na carreira diplomática e em função de seus laços familiares acabou como embaixador na Itália.
Embora não gostasse de admitir, pois não era de sua natureza impetuosa lamentar-se, Laura sentia-se frustrada porque nenhum de seus filhos escolhera seguir os seus passos. Eles a admiravam e isto ficava claro no orgulho que sempre exibiam da mãe, numa época em que poucas mulheres tinham uma carreira sólida, mas consideravam a medicina uma profissão desgastante.
Lembravam-se sempre das noites que passavam somente com o pai, que pacientemente explicava que a mama estava de plantão, e dos intermináveis congressos que a levavam por dias e dias a se ausentar, mesmo que na volta ela lhes enchesse de presentes...
O casamento de Laura e Vicenso era uma união sólida, surpreendente pela rapidez com que assumiram o compromisso.
Ele era um romântico incorrigível, um apaixonado e tinha um orgulho indisfarçável de sua mulher. Jamais se queixava das noites de plantão, do sobreaviso e das viagens para congressos. Vibrava apaixonadamente com cada conquista de sua esposa. Partilhava com ela cada vitória como se fosse sua.
Ele era um grande companheiro, um amigo fiel e carinhoso e um amante excepcional, como era comum acontecer com os italianos e seu temperamento latino.
Laura era uma mulher avançada para o seu tempo. Ela tinha certeza de que queria se casar, ter filhos, mas também tinha certeza de que só abriria mão da sua liberdade quando encontrasse o homem certo. Se alguém lhe perguntasse, Laura certamente teria dificuldades em listar as caracteristicas do "homem certo", não tinha plena consciência do que seria o homem certo.
Mas tinha certeza de que teria que se sentir atraída por ele, não conseguia imaginar unir-se a um homem que não fizesse seu sangue fever, que não lhe dispertasse paixão e desejo. Seria necessário também admira-lo e respeita-lo, era impensável unir-se a um homem por quem não sentisse admiração. Respeito, era um dos pilares do relacionamento para Laura, se não houvesse respeito entre o casal, a união com certeza fracassaria, e ela não era uma mulher que tolerasse fracassos. E, é claro, o homem ideal, teria que aceitar a sua profissão. Não podia unir-se a um homem com que não pudesse compartilhar seus sonhos. Não podia imaginar sua vida sem sua carreira. Ela era tanto mulher, quanto médica. Eram as duas metades da mesma moeda. Algo vital para Laura.
No momento em que conheceu Vicenso, soube que ele era o homem certo. Era o homem mais bonito, charmoso, elegante e sensual que ela já conhecera. Sexy! Atraente! Laura sentiu a paixão arrebatadora incendiar o seu corpo desde a primeira vez que eles se encontraram. Ele era divertido e espirituoso, com um senso de justiça e ética e um amor incondicional a familia, que conquistaram a adimiração e o respeito instantaneos de Laura. E desde o primeiro instante ficara fascinado com a inteligência de Laura. Durante todo o tempo que trabalharam juntos no projeto do centro de reabilitação Vicenso jamais deixou de demonstrar a admiração pelo talento profissional de Laura. Sua força, sua persistência em perseguir seus sonhos, mesmo numa época em que as mulheres eram uma raridade do campo de trabalho. Ele era o homem certo.
Por mais que suas vidas fossem agitadas e tivessem um ritmo alucinante, a família fazia absoluta questão de duas viagens anuais. A viagem da família, em que os dois eram acompanhados dos três filhos. E a lua-de-mel, quando os dois percorriam o mundo reacendendo a chama da paixão que os unira.
Eles conheceram o mundo todo. Julia se encantou particularmente pela Irlanda. Era um país mágico, encantador, com suas colinas verdes, seu mar azul e o clima impetuoso e suas lendas e mitos. Sempre se lembrava do ditado que dizia que os Irlandeses eram uma tribo judia perdida. Às vezes se sentia tão em casa na Irlanda que pensava ser mesmo verdade, pareciam mesmo judeus, só que muito mais divertidos com toda a sua música e o seus incontáveis pub's.
Depois da Irlanda o país de que mais gostava era a Itália. Sentia-se sempre fascinada em estar naquele país aonde as construções remontavam há muitos séculos e contavam a historia da humanidade. Esta sensação a encantava também na Grécia e no Egito. Achava Paris glamurosa, era uma cidade requintada, mas os franceses eram excessivamente empoados e esnobes, embora ela falasse um francês fluente, assim como o inglês e o italiano.
Quando se apaixonou pela Irlanda, Laura encontrou tempo na sua agenda atribulada para aprender gaélico, e não abria mão das partidas de tênis e da natação que eram a sua maneira de manter o corpo em forma.
No momento em que o seu neto Danilo, primogênito do seu caçula Alexandre, decidiu que iria ser médico e que queria estudar na escola da vovó, ela se sentiu realizada.
Ele era um belo jovem, com os traços elegantes que misturavam o porte altivo dos italianos herdado do avô Vicenso com a pele clara e os cabelos cor de mel como a sua mãe que era francesa. Os olhos eram da cor verde como as olivas, o nariz reto e altivo assim como a boca, eram sensuais como costumava ser em todos os Perluiggi.
Nascera na Itália, pois Alexandre, o filho caçula de Laura e Vicenso já ocupava aquela embaixada quando Valentine engravidou pela primeira vez. Quando o seu neto ingressou na universidade, Laura teve certeza de que seus sonhos estavam sendo realizados.
Laura conhecera Julia, logo que ela ingressou na universidade. Ela fazia absoluta questão de acompanhar o treinamento dos futuros médicos pessoalmente.
Era algo que a motivava, estar em contato com gente jovem e apaixonada pela medicina como ela fora. Espíritos puros, ainda não corrompidos pela vaidade e pela ganância, não maculados pela corrida desenfreada em busca do dinheiro. Livres daquele câncer que nos últimos anos vinha contaminando a prática medica: os seguros saúde. Sempre era possível moldar alguns para serem os guardiões da ética medica.
No exato instante em que viu Julia, reconheceu. Ela era uma jóia rara, um diamante bruto, pronto para ser lapidado. Tinha todas as qualidades para ser uma médica excepcional e quem sabe sucede-la na chefia do serviço.
Quando Julia assumiu o posto de monitora da cadeira de cardiologia, elas estreitaram ainda mais a amizade. Julia era a aluna mais inteligente que ela encontrara ao longo destes anos. O conhecimento teórico era espantoso para uma aluna do terceiro ano, a sua técnica de exame era impecável e ela tinha uma qualidade rara, era apaixonada pela sua escolha.
Nascera para ser médica, isto estava evidente na forma como se entregava plenamente aquilo, era tão natural à maneira como abordava os pacientes, com tanta dedicação e carinho que conseguia estabelecer uma relação medico-paciente altamente satisfatória.
O convívio íntimo e freqüente das duas aproximou-as, apesar da diferença de idade, Laura era divertida e alegre. Sempre pronta a conversar sobre tudo, com um vasto conhecimento do mundo que ela conhecia de suas freqüentes viagens e com uma experiência amorosa e sexual que espantava Julia, que fora eleita a sua favorita.
A Dra. Laura ficara intrigada com o fato de sua pupila estar sozinha, era surpreendente que uma mulher tão bonita e divertida como ela não estivesse tendo um caso com alguém, ela sabia que Julia estava só desde que rompera com aquele colega de turma. E quando Julia e seu neto Danilo iniciaram um romance ela acreditou que tinha sido abençoada.
Ele era apenas um ano mais jovem do que ela e a atração surgiu antes mesmo deles se encontrarem na universidade, se desenvolveu na casa de Laura aonde Danilo morava e que Julia visitava com freqüência.
Não foi muito difícil perceber o que iria acontecer, e tão logo reconheceu o interesse mútuo a Dra. Laura trabalhou para fazer de Julia uma convidada habitual permitindo que os dois se encontrassem com freqüência.
Não era difícil prever que isto iria acontecer. Eles eram jovens, bonitos e estavam sozinhos. Ele era atraente e estava encantado com Julia, que era uma mulher tímida, mas sexy. Tinha se sentido atraído desde o primeiro encontro aproveitou que sua avó estava agindo como cupido, e ela era boa nisto, e utilizou todo o seu charme para conquista-la.
Eles começaram a dormir juntos algumas semanas depois, mas embora o sexo fosse bom entre eles não demoraram a perceber que eram muito diferentes. Faltava entre eles aquele élan, aquele laço único e místico que une os verdadeiros amantes. Souberam ao mesmo tempo que seriam bons amigos e nada mais do que isto, e desde então era assim que se tratavam, como dois bons e fraternos amigos.

***

'-Julia! Você esta ótima!' A Dra. Laura abriu os braços e um largo sorriso ao receber a amiga. '-E esta deve ser Rafaela?'
Julia confirmou com um movimento de cabeça enquanto se aproximava da velha amiga para um abraço. Era uma enorme satisfação revê-la, ela era sua melhor amiga. Bastava estar com ela para se sentir confortada.
'-Venham, vocês devem estar cansadas da viagem. O que querem primeiro? Um banho? Ou preferem tomar café?' Enquanto falava Laura conduzia as duas pelo caminho tão familiar a Julia, a mansão Florença.
Rafaela apreciava tudo a sua volta, fascinada. Era uma casa linda! Parecia cenário de filme. A mansão Florença situava-se na zona sul de Nova Era, era uma enorme área verde com bosque de árvores variadas.
A casa que fora reformada por Laura e Vicenso, tinha uma aconchegante varanda. O hall de entrada abrigava uma coleção de souvenires que eles haviam juntado ao longo de suas viagens. A sala de estar era ampla e mobiliada com elegância. Havia uma sala de jantar onde se acomodavam confortavelmente doze convidados.
A ampla biblioteca continha inúmeros títulos de medicina, economia, marketing e administração, mas também muitos volumes de literatura clássica. Era o local preferido de Julia. Ela passara inúmeras tardes ali, envolta na leitura e saboreando o delicioso café da Dona Josefa.
O primeiro andar se completava com a cozinha, dois lavabos e a copa. Os quartos, cinco suítes e dois quartos simples, situavam-se no segundo andar. Neste piso estava também o home theather, que fora uma das paixões de Vicenso.
A área externa era decorada com um grande jardim, abrigava a piscina e a quadra de tênis sempre utilizadas por Laura para seus exercícios e terminava num bosque, que os dois fizeram absoluta questão de manter.

***

Desde a morte de Vicenso, há quase dez anos, Laura havia se retirado da vida pública. Sentia que uma parte de si se fora, estava anestesiada. Continuou a tocar sua vida profissional, era a única coisa que a confortava, mas o olhar perdera um pouco daquele brilho e não exibia mais no rosto aquele sorriso maroto.
Os filhos estavam preocupados, a mãe sempre fora ativa, alegre e nos últimos tempos quase não saia de casa. Relutava em aceitar os convites dos filhos, queria estar só. Fora por demais doloroso a forma como tudo se desenrolara. Vicenso era um homem saudável, ativo e estava no auge da sua plenitude, e de repente aquele tumor... E a dolorosa sensação de impotência. Mesmo com todo seu talento e vasto conhecimento ela não fora capaz de salvar o seu amado. Fora doloroso perder esta batalha. Nunca fora tão implacávelmente doloroso perder a batalha para o eterno inimigo da medicina, a morte.
Mas, a dor foi ficando mais branda a medida que o tempo passava e sendo substituída por lembranças agradáveis dos anos mais felizes da sua vida. A mansão agora, não mais representava dor, mas sim um depositário de momentos felizes. Podia sentir agradavelmente a lembrança de Vicenso ali, principalmente no home theather que ele adorava, ou na biblioteca onde eles haviam se sentado inúmeras vezes ara estudar, parando alguns minutos para uma carícia.
Quando Laura informou, após dois anos de luto, que iria a festa anual da empresa, os filhos respiraram aliviados. Ela resolveu abandonar o luto, escolheu um vestido de uma tonalidade marfim, calçou sapatos da mesma cor e tirou do cofre o conjunto de pérolas legitimas que usou para enfeitar o colo e as orelhas. Como há muito não fazia marcou uma hora com Chloe, para pentear os cabelos, fazer as unhas e se maquiar. Quando Vicenso Terceiro e Teresa passaram para apanhá-la ela estava bela, mesmo com quase oitenta anos conservava uma beleza inegável.

A festa anual das Indústrias Perluiggi, acontecia todo final de ano. Fora Vicenso Neto que começara a tradição. No ano em que o seu avô passou-lhe a presidência das empresas ele teve a idéia. Precisava criar uma marca, algo que identificasse a nova gestão, que o diferenciasse do avô. Tinha certeza de que isto era necessário antes que ele fosse aceito como líder real, e ele tinha consciência de que isto era fundamental para o sucesso da sua gestão.
E então, no final do ano, ele e sua jovem e elegante esposa Laura, abriram as portas da mansão Florença para um jantar de gala. Receberam todos os diretores de todas as filiais que cumpunham o vasto império das Indústrias Perluiggi.
Era uma festa black-tie, organizada pelo mais famoso promoter da cidade. A cozinha ficou a cargo da chef Vito Felliccie, um dos mais renomados do país e bebida da melhor qualidade circulou livremente. Os funcionários se confraternizaram, trocaram informações e fortaleceram as relações entre si. Vicenso circulou entre eles mostrando a todos que antes de serem uma empresa, eles eram uma família.
Pouco antes do jantar ele inaugurou aquela que se tornaria a tradição mais esperada da festa, o seu ponto alto. Instituiu o 'Premio Perluiggi de Excelência', contemplando o executivo de maior destaque no ano com uma caneta Mont Blanc, desenhada exclusivamente para a ocasião e um bônus em ações. O primeiro contemplado foi o velho Perluiggi, e esta foi a jogada de mestre de Vicenso, o prêmio ganhou uma importância inigualável se tornando objeto de desejo de todos os executivos da empresa. Ter um Perluiggi no currículo equivalia a um Oscar.
Ano após ano, as portas da mansão Florença se abriam para receber os executivos da empresa na confraternização anual e para contemplar um executivo competente com o prêmio. Ser convidado a participar da festa, já representava muito. Somente a cúpula da empresa estava presente.
Quando Vicenso Neto morreu, o filho decidiu manter a tradição. Era algo de que seu pai se orgulhava, ele certamente gostaria que fosse mantido, era a sua marca na empresa. Vicenso Terceiro conversou com a mãe, e Laura também pensava da mesma forma. A festa deveria ser mantida, assim como o prêmio Perlluiggi de Excelência.
O único pedido que ela lhe fez, foi para mudar o local da festa. Não queria que ela fosse mais realizada na mansão, não conseguia suportar a idéia de receber todos aqueles executivos sem Vicenso. Era doloroso demais, também não queria mais ser a anfitriã. Embora fosse a matriarca da família, achava que agora que Vicenso Terceiro assumira a presidência do grupo esta função cabia a Teresa.
O filho acatou todos os pedidos da mãe, e mesmo tendo se sentido preocupado quando ela se ausentou da festa não se manifestou. Sabia que ela precisaria de tempo para curar a sua ferida. Lembrava-se de como os pais formavam um belo casal, sempre alegres, carinhosos, amigos e apaixonados entre si. E se a morte repentina de Vicenso havia sido um choque para cada um dos filhos, podia imaginar o que a perda significava para sua mãe que ele sabia sempre fora apaixonada por ele.

Laura foi recebida com alegria pelos funcionários da empresa. Ela era muito querida, suas festas eram lembradas até hoje e a memória de Vicenso ainda estava bastante presente. Um a um todos os executivos vieram cumprimenta-la, exprimiam um respeito e uma admiração que lhe mostrava o quanto seu marido fora querido por todos. Há algum tempo atrás, isto seria doloroso, mas agora fazia parte das lembranças agradáveis, como o seu sorriso, a sua generosidade e a sua alegria de viver.
Antes de servir o jantar, Vicenso Terceiro se dirigiu ao púlpito. Interrompeu a orquestra que tocava um jazz, obrigando os casais a retornarem as mesas. Era o ponto alto da noite, ele iria anunciar o ganhador do 'Prêmio Perluiggi de Excelência'. Um burburinho de vozes se tornou audível, todos estavam agitados tentando adivinhar quem seria o escolhido.
'-Meus amigos, boa noite! É um enorme prazer tê-los mais uma vez na confraternização anual da nossa família!' Sua voz foi abafada pelas palmas, gritos e assovios da platéia. No entanto, Vicenso utilizou sua habilidade de líder para sobrepujar o clamor dos ouvintes e proferiu um discurso curto, mas marcante. Elogiou a participação de todos em mais um ano de crescimento da empresa, destacou a união, a amizade e o companheirismo como responsáveis pelo sucesso. As palavras tocaram cada um dos presentes, eles se sentiam parte daquilo, co-responsáveis por cada uma das vitórias alcançadas.
'-Bom, chega de firulas! Sei o que vocês querem...' Novamente o burburinho de vozes se elevou.
'-Tudo bem! Tudo bem! O premiado do ano veio de longe, até se atrasou um pouquinho, mas esta conosco'. As cabeças se movimentaram tentando encontrar os colegas das filiais externas.
'-Ele está conosco há bastante tempo, e nos últimos três anos tem trabalhado com afinco e não decepcionou o seu mentor'. Propositadamente ele fez suspense e percorreu a sala com seu olhar afetuoso.
'-E ele conseguiu! Se o meu pai estivesse aqui, teria vibrado com este prêmio, pois ele confiou ao escolhido esta missão, nos últimos dias de sua gestão'.
Todos estavam ao mesmo tempo, tentando se recordar das últimas decisões de Vicenso Neto há três anos atrás.
'-Ele não o decepcionou. A filial mais querida dos Perluiggi teve um lucro recorde este ano, graças a atuação excepcional deste homem: Luiz Felipe Dupret'.
O homem trajando um elegante smoking se levantou sob uma salva de palmas e se encaminhou ao púlpito onde Vicenso o recebeu com um caloroso abraço. Depois como era tradição a primeira dama, Teresa, presenteou-o com a cobiçada Mont Blanc. Mais uma vez a platéia se manifestou festejando o escolhido.
Luiz Felipe se preparou para o discurso de agradecimento. Subiu no púlpito, apoiou as mãos na madeira, empinou o tórax numa postura vencedora e percorreu a sala com seu olhar de águia. Quando seus olhos se cruzaram com os de Laura sentada na primeira fila juntamente com Vicenso, ele se sentiu desconcertado.
Ela sustentou o olhar e sorriu para ele. Por mais que tentasse retomar o rumo de suas ações ele estava hipnotizado por aqueles olhos verdes. Sabia que as pessoas estavam observando o flerte aberto dos dois, mas não conseguiu disfarçar. Murmúrios discretos começaram a soar e as pessoas começaram a se mexer impacientes nas cadeiras.
Laura estava adorando tudo. Não imaginava que seria capaz de se sentir excitada novamente. Desde a morte de Vicenso, estava seca, estéril, mas aquele homem a atraíra. Estava se divertindo também com o burburinho da platéia. Sabia que as pessoas estavam comentando a sua audácia em corresponder tão abertamente ao flerte dele. Não ligava a mínima, pro inferno com todas aquelas regras e convenções. Estava se sentindo viva, era capaz novamente de desejar um homem e ser desejada.
Luiz Felipe, forçou-se a recuperar o controle da situação. Ajeitou o microfone, bebericou um pouquinho da água para molhar a garganta e se posicionou para iniciar o discurso. Quando ele falou, sua voz saiu limpa e forte como era sua característica, e embora ele falasse para todos, seus olhos permaneceram fixos em Laura numa comunicação particular que ela correspondeu com prazer.
No momento em que encerrou o discurso a platéia brindou-o com uma salva de palmas. Vicenso voltou ao palco e novamente assumiu o microfone.
'-Eu sei que a Mon Blanc tem um enorme valor sentimental, mas sei também que o que motiva todos vocês a se empenharem na tentativa de faturar o prêmio são as stock options'. A platéia respondeu ao comentário com uma gargalhada divertida, e ele prosseguiu.
'-Portanto, Luiz Felipe, aqui estão as suas ações'. O outro homem recebeu os papéis das mãos de Vicenso e mais uma vez agradeceu.
E ele prosseguiu. '- Há uma outra decisão que você precisa tomar, permanecer na Itália como CEO da nossa filial, ou retornar para matriz e ocupar a cadeira que esta vazia no conselho desde que eu assumi a presidência? Mas, não precisa se apressar. Pense com calma, e na primeira reunião do ano traga-nos a sua decisão'.
Ele assumiu novamente o microfone.
'-Eu sabia, que esta opção me seria oferecida, independente do prêmio, e confesso que estava indeciso. Chefiar a filial Italiana e um desafio excitante, mas...' Ele desviou os olhos de Vicenso e procurou o olhar de Laura, e quando ela correspondeu à sua busca ele falou, diretamente para ela. '-Não há mais duvidas, tenho coisas mais importantes para conquistar, aqui.'
Quando ele desceu do palco e se dirigiu a mesa convidando Laura para dançar, ninguém se surpreendeu.

Eles não se separaram mais. Laura recuperou progressivamente a alegria de viver. E para Luiz Felipe foi a fase mais feliz da sua vida. Ele que já havia sido casado por três vezes, tendo ganho seis filhos, achava que finalmente havia encontrado o seu grande amor.
Alguns meses depois que eles começaram a dormir juntos, Luiz Felipe pediu-a em casamento, ela disse não.
Gostava dele, amava-o, mas, casamento, não. Já fora casada, e não queria tudo aquilo novamente. Não queria todo aquele compromisso, queria apenas aproveitar a vida. Casamento implicava um compromisso desgastante, representava o exercício diário da convivência, aprender a conhecer o outro, conceder, abdicar, respeitar espaços, dava trabalho, e ela não queria tudo aquilo novamente, era preciso tempo, o tempo que ela tivera com Vicenso para aprender, amadurecer, perdoar.
Ofereceu suas condições a ele. Se isto lhe fosse suficiente eles poderiam continuar juntos. Não iria se casar com ele. Para Luiz Felipe não restou escolha, sabia que não podia mais viver sem ela, e se estas eram as condições para tê-la, ele teria que aceitá-las.
Então eles acertaram o arranjo daquele caso duradouro. Cada um em sua casa. Luiz Felipe comprou um flet em um elegante edifício, bem próximo a mansão Florença e se instalou confortavelmente. Fazia absoluta questão de ir até a mansão e tomar café com ela todas as manhãs, era a maneira perfeita de começar o dia.

***

Laura acomodou cada uma das mulheres em uma suíte, ofereceu-lhes toalhas, e deixou-as à vontade, para que fizessem a toalete enquanto se encarregava de dar as ordens para que o café fosse servido na varanda.
Julia e ela começaram a colocar a conversa em dia, enquanto esperavam por Rafaela que ainda estava no banho. A jovem médica percebeu como sentira falta daquela conversa amena e franca com sua velha amiga. Porém, mesmo com toda intimidade que havia entre elas, Julia não se sentiu a vontade para revelar o que ocorrera entre Dominic e ela, não queria se recordar de nada daquilo, e sabia que Laura a faria revelar tudo, não havia como ter segredos para ela.
Sabia extrair tudo que havia dentro do coração e da mente do seu interlocutor, com seu sorriso maroto e seu olhar afetuoso era impossível ficar imune ao seu charme. Muitas e muitas vezes Julia especulou se estas características não tinham sido as responsáveis por Laura ter alcançado a posição que ocupava na universidade. Ela era extremamente competente, não se podia negar, nenhum outro médico tinha a bagagem da velha professa quando o assunto era reabilitação cardíaca, mas Julia tinha certeza de que ela chegaria onde estava, mesmo que fosse uma médica apenas mediana, ela era absolutamente irresistível.

***

As três mulheres estavam se sentando à mesa para o café, e ao mesmo tempo avistaram o homem caminhando tranquilamente em direção a elas. Em cada uma ele provocou um sorriso, mas cada mulher o exibiu motivada por um estímulo único e completamente diferente.
Em Rafaela, o sorriso cínico e sedutor, que Julia conhecia tão bem era a senha, o código que demonstrava o reconhecimento de um homem charmoso e elegante, como outros que ela conhecia. Sem outras intenções, seu sorriso era um flerte inconsciente que a sua natureza impetuosa executava com todos eles.
Com Julia era o reencontro de um grande amigo. Alguém que trouxe de volta a vida uma pessoa muito querida. Conhecera Vicenso Neto e o amara instantaneamente, era como um segundo pai. Vicenso assim como Laura recebera-a de braços abertos. Era a filha que ele sempre desejara e não tivera. Tinham uma afinidade única, gostavam de coisas semelhantes, as mesmas músicas, Julia e ele preferiam a prosa ao contrário de Laura que adorava poesia.
Ela sentira sua perda quase que tanto quanto seus familiares. Fora doloroso não poder mais se sentar na biblioteca ao lado dele, cada um em um canto, cada um com um livro diferente, e então, de repente, levantar os olhos e tirar o outro da concentração lendo para ele uma passagem divertida ou interessante do seu livro.
Mas fora mais doloroso ainda, ver sua amiga definhar. Vê-la entregue, apática, desinteressada de tudo. Foi angustiante constatar que Laura perdera o prazer mesmo na universidade, chefiava o serviço de forma mecânica e sem aquela paixão que sempre contagiara a todos.
Foi com alegria no coração que acompanhou a mudança lenta e gradual em Laura quando Luiz Felipe apareceu. Tão diferente de Vicenso, quanto à água do vinho. Impossível não gostar dele, era encantador, tímido, gentil, elegante, um gentleman. E... Trouxera sua amiga a vida novamente, isto era o mais importante. Foi este sorriso de amizade e gratidão que ela lhe lançou.
A mulher mais velha contraiu os músculos da face, abrindo-se luminosa num sorriso terno, adorável, que escancarava sem medo ou vergonha tudo o que estava sentindo. Amava aquele homem e se sentia feliz ao seu lado.
Não se limitou, no entanto, a sorrir com os lábios. Seus olhos também sorriam radiantes. Um sorriso diferente, exibindo um brilho que nenhuma mulher deixaria de reconhecer, o brilho de uma fêmea satisfeita. As duas mulheres mais jovens se comunicaram em reconhecimento, e como numa transmissão telepática de pensamento sorriram ironicamente da situação. Ambas, há algum tempo não exibiam aquele brilho no olhar.
O homem continuou avançando não enxergava nada além da bela senhora de olhos verdes que lhe sorria. Retribuiu escancarando a satisfação que sempre sentia ao vê-la. Aproximou-se, beijo-lhe a boca suavemente, e só então, fez valer a sua fama de um homem educado.
'-Bom dia, senhoritas.' Cumprimentou-as estendendo o sorriso as outras pessoas a mesa.
'-Bom dia, meu amor.' Novamente o seu sorriso mais encantador foi oferecido aquela senhora.
Elas responderam em coro, e quando ele se sentou ao lado de Laura, a mulher passou a mão carinhosamente pelos cabelos claros, agora completamente prateados, e perguntou numa voz cheia de intimidade.
'-Dormiu bem?'
'-Eu nunca durmo muito bem longe de você.' Ele respondeu galante, flertando abertamente com ela.
Laura sorri-lhe novamente e mais uma vez acariciou o cabelo liso e macio de Luiz Felipe, depois o beijou na boca antes de responder.
'-Também senti sua falta. Venha jantar conosco esta noite...' Ela deixou a frase no ar, mas ele entendeu o convite.
Já fazia algum tempo que eles não dormiam juntos na mansão, nos últimos meses quase sempre era Laura que passava a noite em seu flat. Seria bom, não gostava daquela atitude. Fazia-o temer que ela ainda se sentisse estranha fazendo sexo com outro homem que não Vicenso. Ele sabia que era um pensamento absurdo, mas era incontrolável.
O café já estava sendo servido quando Julia se deu conta de que estava faltando alguém.
'-Onde está Danilo?'
'-Estava de plantão a noite passada, e emendou no ambulatório. Deve estar de volta ao final da tarde.'
'-Estou com saudades daquele canalha.'
'-Ele também vai ficar feliz em revê-la.' Laura emendou com um sorrisinho irônico.
'-Isto se ele vier dormir em casa...' Julia respondeu também com sarcasmo.
'-Ele tem estado bastante sossegado ultimamente, há alguns meses não jantamos com uma beldade diferente.' Desta vez foi Luiz Felipe quem falou.
Os quatro terminaram o café e o bate-papo. Luiz Felipe retirou-se para o banco. Laura trocou de roupa e se encaminhou para o hospital, Julia e Rafaela foram às compras. Voltaram no final da tarde e ao chegarem exaustas se depararam com um jovem atraente sentado displicentemente na borda da piscina.
Ele levantou os óculos de sol e encarou-as com seu nariz empinado e a confiança que sempre o caracterizaram. Julia reconheceu a atitude petulante daquele belo homem que estava acostumado a ser admirado e desejado pelas mulheres.
'-Julia, que bom revê-la!' Ele exclamou levantando-se e se encaminhando para ela de braços abertos.
'-Também estava com saudades.' Ela retribuiu o abraço carinhoso de Danilo, sem deixar de perceber que ele notara Rafaela e ficara impressionado.
A bela mulher morena estava impassível, isto a intrigava. Como ela conseguia? Poucas mulheres resistiam ao charme de Danilo Perluigi. Ele era sedutor e incrivelmente bonito. Mas a sua nova amiga estava ali, parada, indiferente. Ele quebrou o gelo.
'-Não vai me apresentar a sua bela amiga?'
'-Ah, sim desculpe.' E Julia fez as apresentações.
Como tática para manter o controle do jogo de sedução Danilo desviou a conversa para um caminho seguro.
'-Como vão as coisas na sua cabana?' Ela pode perceber uma pontinha de sarcasmo nas palavras. Então ele era da turma dos que a achavam louca, pela mudança.
'-Ainda é cedo para avaliar, eu ainda não comecei a clinicar. Mas a experiência de viver naquele lugar é maravilhosa.'
Ele percebeu a careta discreta de desagrado no rosto de Rafaela. Então ela era uma cosmopolita, interessante.
'-E os amores?' A pergunta era desprovida de qualquer interesse secundário, apenas a curiosidade de um velho amigo.
'-Estou me reestruturando, não acho que seja um bom momento para me envolver com alguém.'
'-Julia, sempre sensata e careta. Acreditei que esta mudança profissional maluca fosse se refletir na sua vida pessoal, mas vejo que me enganei.'
'-Nós somos mesmo completamente diferentes...' Ela refletiu pensativa.
Como era possível que eles tivessem tido tanta afinidade na cama, e fossem tão completamente diferentes. Não tinham nada em comum, enxergavam a vida de forma completamente diferente, por prismas diametralmente opostos. Seus valores pessoais eram opostos, os objetivos de vida antagônicos, não tinham mesmo nada em comum.
'-Você tem razão, mas somos ótimos amigos. Ninguém me escuta e me aconselha como você.' Ele ofereceu a ela seu sorriso mais sedutor.
'-Posso dizer o mesmo de você.'
'-E você Rafaela?' Danilo desviou sua atenção para a outra mulher.
A intensidade do seu olhar assustaria qualquer mulher, mas Rafaela manteve-se imperturbável. Estava acostumada a isto, os homens quase sempre ficavam transtornados em sua presença. Mas ele temperou o olhar fascinado com um sorriso displicente que deixou claro sua atração, mas também não escondia que ele estava no comando do jogo. Rafaela recebeu aquela mensagem subliminar de poder com curiosidade. Era a primeira vez que um homem não ficava instantaneamente apaixonado por ela.
Aquela constatação foi suficiente para mexer com seu orgulho. Ela era uma sedutora nata, gostava de ser o centro das atenções, acreditava verdadeiramente que os homens que levava pra cama eram privilegiados. E aquele homem a sua frente estava se fazendo de difícil, mostrando uma indiferença indisfarçada a sua beleza. Mas ela percebera um brilho de atração no seu olhar enquanto ele conversava com Julia, e furtivamente procurava por ela. Sacana!
Danilo percebeu a confusão no rosto de Rafaela e explicitou a pergunta, embora já soubesse a resposta.
'-Você é careta, também?'
Rafaela achou graça, careta, ele estava tirando um sarro com Julia. Olhou disfarçadamente para sua nova amiga e percebeu que ela não se ofendera, estava rindo junto com ele. Entrou na brincadeira, jogando os cabelos pra trás e sorrindo de maneira sexy. Encarou Danilo e respondeu.
'-Acho que não posso ser classificada como careta, sou muito egoísta para tanto. Quero tudo que tenho direito, dinheiro, sucesso, amor e felicidade. Não abro mão de nada.'
Ele sustentou o olhar da mulher, e recebeu deliciado a confirmação do que sabia. Ela era mesmo fascinante, deliciosa e imprevisível. Estava intrigado também. Pode sentir a onda de atração erótica que fluía entre eles, mas ela se mantinha impassível. Controlada, brincando com ele como se lhe fosse completamente indiferente. Não suspirara encantada quando ele lhe sorriu de forma sedutora, e nem se derretera quando ele a encarou. Impassível, fria, mas ele sabia que por dentro ela estava ardendo, como ele. Tinha certeza de que ela também o desejava. Mas não seria ele a dar o primeiro passo, queria que ela começasse. E enquanto Rafaela se mantivesse indiferente ele sustentaria o jogo de sedução. Qual deles iria ceder primeiro? Ele podia apostar que seria ela.

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