quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DEVERES, SONHOS E PAIXÕES - Capitulo 7

Capitulo 7

'-Dominic pediu para lhe avisar que os filhotes estão prontos para serem desmamados.' Falou Rafaela enfiando a cabeça pela porta.
'-Ele esteve aqui?!' O tom de voz variava entre a curiosidade contida e a indignação, nas palavras de Julia.
'-É claro que não! Nos almoçamos juntos.'
Logo que se instalara em definitivo no chalé, há quase três meses atrás Julia decidira que seria bom ter um cachorro. Poderia lhe fazer companhia, além de guardar a casa.
Desde que era criança nunca mais tivera um cachorro. Quando os pais se mudaram da casa para o sofisticado apartamento, onde moravam até hoje, Cleópatra, a cadela que estava com a família desde que Julia era um bebê fora mandada para o sítio, já que era impensável um Pastor Belga dentro de um apartamento, mesmo que fosse um amplo tripéx.
Quando comentara distraidamente com Rafaela que estava procurando um cão, a amiga se aproveitou da situação. Desde a mudança de Julia ela estava tentando insistentemente entender o que havia acontecido entre ela e Dominic.
Sabia que eles haviam dormido juntos naquela tarde em que ele fora até o chalé e a ajudara com a estante da biblioteca e depois não se falaram mais. Ela tinha até sido grosseira com ele uma semana depois, quando Dominic fora ao seu consultório. Julia tinha pedido que ela os deixasse a sós, e Rafaela só retornou para sua sala quando viu o seu irmão descer as escadas praguejando furioso.
Nos dois dias que as amigas passaram em Nova Era, na casa da Dra. Laura, a simpática senhora fora sua cúmplice tentando em vão descobrir o que acontecera, mas Julia se fechara em copas. Rafaela percebeu que aquela era a oportunidade de colocá-los frente a frente.
A cadela de Dominic dera a luz há uma bela ninhada de labradores e ela insistiu para que Julia ficasse com um dos filhotes, era o cachorro ideal. Grande, alegre e bom cão de guarda, tudo o que ela queria. Foi tão insistente, não lhe deixando escolha, que Julia mesmo a contra-gosto teve que aceitar.
Era mesmo ridículo, eles moravam na mesma cidade, uma cidade minúscula onde todos se conheciam, não havia como ficar fugindo, tinha que encarar a situação por mais dolorosa que fosse. Fora apenas uma tarde, um momento de desejo incontrolável, mas acabou...
'-Ele esta te aguardando para escolher, mas você não pode demorar pois há muita gente esperando pelos filhotes.'
Rafaela percebeu o olhar de dúvida em Julia e continuou.
'-Dominic quer que você seja a primeira a escolher, para ter mais opções.'
'-Ele... Disse isto?'
Rafaela não pode deixar de notar um ligeiro tremor na voz da amiga, e intimamente comemorou. Estava certa, desde o início, sabia que eles estavam atraídos um pelo outro.
Percebera a urgência na voz do irmão quando ele lhe pedira para avisar a Julia que os filhotes estavam desmamados, a angustia em seus olhos pelo receio de que ela se recusasse a ir até o haras para escolher. Ele fê-la prometer que iria convencê-la de qualquer maneira, precisava vê-la.
'-Exatamente com estas palavras.' Saiu deixando Julia atordoada.

Assim que encerrou o expediente Julia correu para casa. Tomou um banho demorado e começou a escolher o que vestir. Revirou todo o guarda-roupas, até encontrar um vestido de verão do qual havia se esquecido.
O pano leve caia delicadamente sobre a sua pele, o estampado de flores miúdas no fundo vermelho realçava a pele clara. Aplicou discretamente o batom vermelho nos lábios e passou perfume. Deu uma última olhada no espelho, e gostou do que viu. Elegância discreta, charme e uma insinuação leve de sensualidade. Desceu o caminho até o jipe apreciando a brisa fresca do final da tarde e encantada com o céu límpido, pegou o caminho para o haras.
Dominic fora prevenido pela irmã de que Julia iria aparecer ao final da tarde. Estava inquieto, se barbeara e trocara de roupa após o banho vestindo o jeans e uma camisa clara de botão com as mangas dobradas na altura dos cotovelos.
Ele era um homem alto, com um metro e oitenta, e um corpo esbelto mas coberto de musculos firmes e bem delineados. Era um corpo que não permitia a uma mulher permanecer indiferente, exalava masculinidade em todos os angulos. O tronco e os braços eram fortes, pois ele era um homem que usava a força bruta na labuta diária, assim como as coxas acostumadas a se sustentar sobre a cela de um cavalo desde que ele conseguira se colocar de pé ainda na infancia. As mãos grandes, rudes e asperas, podiam se mostrar fortes ao segurar o garanhão no momento da cobertura, ou delicadas como acontecia quando ele cuidava das flores no jardim. A pele clara, por causa da sua descencia francesa e celta era curtida pelo sol do trabalho no campo. O cabelo era levemente ondulado abundante e com fios grosso, o tom de cobre era salpicado por algumas pontas quase da cor de mel por efeito do sol. O rosto era uma obra-prima. Os olhos cor de fumaça, que podiam ficar mais claros e quase azuis quando ele se alegrava ou escurecerem como chumbo quando alguma coisa atiçava seu temperamento irlandês. O nariz anguloso, quase como se tivesse sido esculpido no centro do rosto magnifico, havia sido quebrado em algum momento no passado. E era esta pequena imperfeição que fazia com que ele fosse perfeito dando ao rosto um ar de poder e virilidade. E a boca completava o conjunto de forma espetacular. Larga, com labios finos mas cheios, que sorria de forma incrivelmente sexy quando flertava com uma mulher. Uma boca de poeta, que fazia uma mulher sonhar com beijos ao luar e promessas de amor eterno. Era isso, a figura toda evocava fantasias de poetas ou guerreiros, exatamente como as ricas tradições da sua origem celta.
Ele estava tenso, o seu estado de espírito o fazia desejar estar montado em Black Queem cavalgando velozmente pelos campos, mas não podia fazer isto. Não sabia a que horas Julia viria e era impensável correr o risco de perder a chance de estar a sós com ela.
Dispensara todos os empregados. Não conseguia saber porque fizera isto, não planejara nada, apenas parecia ser a coisa certa a fazer. Precisava ficar a sós com ela, tinha que lhe falar, quem sabe desta vez ela o escutasse.
Para acalmar o seu sangue que corria agitado e diminuir o tremor evidente em suas mãos ele serviu-se de uma dose de Bourbon. Virou rapidamente um grande gole e quando o líquido acabava de descer queimando a sua garganta ele escutou o barulho do jipe parando em frente a sua casa. Novamente ele virou o copo e sorveu o restante do líquido.
Se encaminhou para a porta e abriu-a antes que Julia tocasse o sino. Estancou completamente incapaz de avançar ou pronunciar qualquer palavra. Era sempre assim quando estava diante dela. Como um sonho colorido e belo. Sentiu o sangue correr acelerado e a boca seca. Linda! Ele acreditava que nunca iria se acostumar com a beleza dela.
Ela também estava paralisada, por um momento esqueceu-se do que havia ido fazer ali. Seus joelhos pareciam frouxos e seu coração disparou num galope frenético. Ele era como um guerreiro, másculo e viril, e parecia impossível não se render a ele. A lembrança de ter aquele corpo comprimido contra o seu acendeu um fogo dentro dela e a sua boca se encheu d'água. Nossa! Ele era um perigo, toda aquela sexualidade explicita que emanava dele era quase insuportavelmente irresistível. E aqueles olhos! Com aquela cor acinzentada e que olhavam-na de forma tão intensa e concentrada como se não existisse qualquer outra mulher em todo o universo. Como ela podia se culpar por ter ido pra cama com ele, quando ele olhava para ela daquela forma? Ela engoliu em seco e forçou um sorriso a guisa de cumprimento porque não tinha certeza se a sua voz sairia firme quando seu corpo todo queimava e tremia de desejo por ele.
Ele continuava com os olhos fixos nela, mesmo tentanto não parecer obvio foi impossivel evitar que seu olhar desenhasse o cortorno daqueles lâbios generosos e se recordar do sabor e da tetura que eles tinham. Nossa! Ele queria beijá-la! Queria sentir a boca quente e macia de Julia mais uma vez... Manteve as mãos nos bolsos para evitar tomá-la nos braços e satisfazer o desejo de possuí-la ali mesmo na varanda.
E, antes que o silêncio constrangedor se instalasse entre eles Dominic se adiantou e se aproximou.
'-Boa tarde!'
'-Boa tarde. É espantoso que não esteja chovendo esta tarde.'
'-É realmente raro. Mas o verão está acabando e as chuvas tendem a diminuir.'
Mais uma vez o silêncio ameaçava se instalar e antes que o fizesse Dominic novamente falou.
'-Venha, você deve estar ansiosa para escolher o seu filhote, eu vou mostrá-los.'
Enquanto ele se dirigia para os estábulos Julia observou o seu perfil. O pescoço largo, o nariz reto e forte, os músculos definidos sem exagero, ele era o homem mais bonito que ela já conhecera, com os cabelos cor de cobre ondulados soltos e remexidos pelo vento. Mesmo contra a sua vontade, Julia sentiu uma pontada de desejo se insinuar por seu corpo.
Observou-lhe as mãos, eram grandes, firmes, fortes. Mãos de alguém que trabalhava com a terra. Lutou em vão contra aquele pensamento que se insinuava insidioso em sua mente, e mesmo sem querer recordou-se daquelas mãos em seu corpo, a sensação deliciosa. Era surpreendente como o seu toque era delicado, as carícias suaves. Percebeu uma onda de excitação subindo pelo seu ventre e antes que ela perdesse o controle, perguntou.
'-Quantos são?'
Ele foi sacudido por um sobressalto e virou-se para ela. Estava linda! A pele clara destacando no vestido vermelho, o vento da tarde agitava o tecido e mostrava discretamente as pernas bem torneadas, os grandes olhos azuis brilhando, o sorriso discreto nos lábios. Uma feiticeira, capaz de envolvê-lo em seus encantamentos.
Ele se lembrou da tarde em que fizeram amor, desejou novamente sentir o corpo macio de Julia tremendo sob o seu, mas forçou-se a afastar o pensamento e concentrou-se em responder a pergunta que ela havia formulado.
'-Oito. Oito lindos filhotes. E estão loucos para encontrar alguém para acolhê-los com carinho.'
'-São Labradores?'
'-Sim, legítimos. Afrodite e Zeus são Labradores amarelos. Será a última cria dela, já esta velha e agora passa a ser arriscado.'
'-Quando eu era criança, tínhamos um Pastor Belga, Cleópatra, mas tivemos que nos desfazer ao mudarmos para o apartamento. Desde então tenho desejado um cão.' Julia falou sonhadora, um sorriso franco se abrindo no rosto.
'-Um Pastor Belga em apartamento, é mesmo complicado, mas na cabana você tem bastante espaço. Vai ser uma ótima companhia, os Labradores são alegres e companheiros, e excelentes cães de guarda.'
Eles haviam chegado. Ao se aproximarem do cercado a cadela rosnou agitada pelo cheiro estranho. Julia se assustou.
'-Tudo bem, é só ficar perto de mim.'
Ela se manteve próxima dele e pode observar encantada a cadela de pelo amarelado deitada com as patas para cima, enquanto os filhotes sugavam avidamente em busca do leite.
'-São as coisinhas mais lindas!'
'-Encantadores!, Você vai ter dificuldades para escolher.'
'-Ah, Dominic, se eu pudesse ficaria com todos.'
Ele percebeu o brilho nos grandes olhos azuis que dançavam de felicidade, e um sorriso estampado no belo rosto. Ela parecia uma criança que acabara de ganhar um pirulito.
'-É só você dizer, e eles serão todos seus.' Ele murmurou com a voz rouca e colocou uma mecha de cabelos atrás da orelha de Julia, um gesto delicado e de imensa ternura, que a fez estremecer assustada.
'-É impossível, sem chance, oito filhotes, eu enlouqueceria.' Para diminuir a tensão do momento, ela riu divertida tentando imaginar a situação de criar oito filhotes.
Dominic correspondeu, oferecendo-lhe aquele irresistível sorriso sedutor.
'-Bom vamos ter que esperar, enquanto não terminar a mamada será impossível afastar Afrodite para que você escolha.'
'-Que tal se você me mostrasse os cavalos enquanto isto? Estou curiosa para conhecer Black Queem!'
Com um aceno de cabeça ele concordou se colocou de pé, e estendeu a mão para ajudá-la a se levantar, mantendo os dedos entelaçados aos de Julia enquanto eles caminhavam.
'-Você cavalga?' Dominic perguntou, enquanto eles atravessavam a extensão de terra que levaria as baias, onde os animais estavam recolhidos.
'-Adoro! Mas há algum tempo não monto.'
'-Quando quiser, esteja a vontade. Tenho ótimos animais aqui e a região é encantadora.'
'-Quem sabe, qualquer dia desses...' Ela respondeu sonhadora. '-É uma sensação libertadora...'
Dominic sentiu sua pele se arrepiar. A profunda reverência que havia na voz de Julia quando disse aquilo o deixou tomado de ternura. Ele também se sentia assim, livre, quando montava Black Queem e saia pelos campos. Era aconchegante reconhecer que ela compartilhava daquele sentimento que lhe era tão caro.
'-Aqui estamos.'
Eles haviam percorrido o enorme galpão até o final. No caminho, enquanto seguia com os dedos entrelaçados nos de Dominic, Julia olhava curiosa e encantada através das aberturas o conteúdo de cada baia. Cavalos, das mais diversas raças, com pelagens de todos os estilos e cores. Branco, marrom, negro, malhado. Animais de porte altivo, quietos no repouso sossegado de um entardecer tranquilo, surpreendentemente sem as costumeiras tempestades de Nova Esperança.
Dominic estendeu a mão através da grade e acariciou o pelo negro e brilhante da sua égua preferida.
'-Ela é mesmo linda!' Exclamou Julia encantada, enquanto se aproximava para admirar o belo animal.
'-Quer tocá-la?' Ele perguntou.
Com um aceno de cabeça ela concordou. Então Dominic pegou a mão de Julia na sua, fazendo-a atravessar a grade, ela deu um passo a frente para se aproximar mais da porta e alcançar a cabeça do animal, ele afastou-se ligeiramente para oferecer-lhe o espaço necessário. Com o movimento ela acabou colocada entre a porta da baia e o corpo dele.
E, enquanto acariciava o pelo negro e lustroso da bela égua, Julia pode sentir o calor do corpo dele bem próximo ao seu e percebeu que os seus corpos se ajustavam de forma quase assustadora. A respiração de Dominic na sua nuca, fez a sua pele se arrepiar.
Ele se aproximou mais um pouco e ela recebeu o peso do corpo daquele homem comprimindo o seu. Fechou os olhos e continuou a afagar a cabeça macia de Black Queem. Dominic, mantinha a mão no pelo do animal e começou a sussurrar bem próximo ao seu ouvido, enquanto acariciava a sua égua favorita.
'-Linda, perfeita, maravilhosa... A mais linda que eu já conheci...'
Enquanto escutava a voz sensual que murmurava bem próximo ao seu ouvido, Julia sentiu um calor invadir o seu corpo. Uma sensação inebriante de prazer que se iniciava no meio das suas pernas e subia, espalhando-se por todo seu corpo. Sua mente girava atordoada, não sabia se as palavras estavam sendo dirigidas a ela ou ao animal a sua frente.
Quando ele roçou os lábios levemente em sua orelha e murmurou delicadamente 'Você é linda!' Ela sentiu suas forças se esvaírem. As pernas ficaram bambas, e ela acreditou que não fosse conseguir permanecer de pé.
Virou-se completamente inebriada de prazer, envolveu o pescoço de Dominic com os braços, enquanto colava o seu corpo ao dele e murmurou olhando-o bem dentro dos olhos antes de sugar a sua boca num beijo faminto.
'-Eu quero você!'
Ele teve um ligeiro minuto de hesitação, diante da surpresa por aquele olhar que quase o devorava, pelas palavras que eram não um convite, mas uma ordem e pelo beijo ardente com o que ela capturou e aprisionou a sua boca. Mas o desejo que o consumia era tão intenso quando o dela e Dominic correspondeu deliciado ao beijo, enquanto acariciava-lhe os cabelos.
Quando eles se separaram, quase sem fôlego, ele tomou-a pela mão e começou a arrastá-la para fora do galpão.
'-Vem, vamos pra minha casa.'
Mas Julia resistiu, permaneceu estática, segurando com força a mão de Dominic e obrigando-o a interromper o movimento.
'-Não! Eu quero você aqui, agora!'
Ele não conseguiu dizer nada. Agarrou-a contra a parede e envolveu-a em seus braços, sufocando-a com seus beijos ardentes. Ela enterrou as mãos em seu cabelo macio, enquanto oferecia-lhe a boca ofegante.
As mãos fortes começaram a percorrer o corpo de Julia, sondando através do vestido para sentir a maciez da sua pele, seus mamilos e o seu ventre. Ela correspondeu ao gesto, tentando desesperadamente puxar o jeans que ele usava.
De maneira ansiosa, com uma urgência desenfreada ela lutava para arrancá-lo, enquanto Dominic a enlouquecia com caricias delicadas aplicadas com as mãos e com a língua. Aquelas mãos rudes deslizavam de forma possessiva sobre a sua pele, e Julia sentia-se gloriosa. Ninguém jamais ha tocara daquela maneira. Era como se as mãos dele acendecem toda a sua pele, era como se ele ligasse milhoes de terminaçoes nervosas que tornavam o seu corpo uma massa de sensações. Parecia impossivel sentir mais prazer do que ele lhe oferecia, mas cada vez que ele deslizava as mãos, a lingua ou os lábios pela sua pele ela era invadida por uma nova onda de prazer ainda mais intensa.
E ele queria mais, queria tudo, queria devora-la por inteiro. Deslizou as alças do vestido, fazendo-as escorregar pelos braços, rasgando uma delas no desespero de saborea-la, desceu o corpete do vestido até deixar os seios de Julia expostos para seu assalto. Firmes, eretos, a pele clara em contraste com os mamilos rosados e já endurecidos pelo prazer que as suas mãos provocaram. Ele abaixou a boca para toma-los e leva-la ao pico do prazer enquanto os lambia. Ela continuava lutanto para despi-lo, arrancou a camisa que ele usava, fazendo com que varios botoes se perdessem no desespero de devolver a ele um pouco do prazer que estava experimentando, e porque queria toca-lo tambem. Deixou as mãos percorrerem as costas e o peito, deslizando-as pelos musculos e depois refez o caminho pelo torax musculoso com a boca, adorava o sabor da pele de Dominic. Aquele gosto de virilidade que ele exalava era como um vinho raro. Ele deixou a mãos escorrerem pela parte interna das coxas de Julia, até o seu centro de prazer e percebeu mesmo atraves da barreira de pano que ela ja estava molhada. Escorregou os dedos por dentro da renda até alcança-la e penetrou-a com a mão fazendo-a gozar. Quando ela ainda estava tremendo em seus braços ele fez um único movimento e rasgou a calcinha derrubando a ultima barreira entre eles, ao mesmo tempo o jeans escorregou, apenas o suficiente para revelar o seu desejo de forma incontestável como uma gloriosa haste ereta. Ele mergulhou as mãos por baixo das nádegas de Julia e suspendeu-a contra a parede.
Ela acompanhou o movimento, elevando as pernas e enlaçando-lhe a cintura, enquanto projetava a pelve em direção ao sexo de Dominic, oferecendo-se completamente a ele.
Aquele movimento foi a senha, o sinal que ele aguardava. Completamente dominado de prazer ele meteu-se dentro dela. E quando ele se perdeu dentro do seu sexo, Julia começou a se movimentar para recebê-lo mais e mais, acompanhando o movimento de Dominic que se projetava dentro dela.
As mãos novamente agarraram os cabelos acobreados e cheios daquele homem, e ela arqueava a cabeça gemendo num delírio de prazer.
Como tinha as mãos ocupadas em sustentar o corpo de Julia suspenso contra a parede, Dominic se debatia numa tentativa enlouquecida de apreender-lhes os mamilos com os lábios, sugando avidamente como um bebê faminto os seios de Julia.
Ela, agarrou-o pelos cabelos e levantou a cabeça de Dominic até olhar dentro dos seus olhos e perceber o brilho inigualável do prazer que ele estava experimentando ao possuí-la. Ao mesmo tempo ofereceu a ele a inesquecível imagem do prazer claro e verdadeiro estampado em seu rosto.
Ela tomou-lhe a boca, engolindo-a num beijo profundo, e ao mesmo tempo terno e ardente que ele correspondeu plenamente, enquanto gozava dentro dela. Quase ao mesmo tempo, Julia abandonou-lhe a boca, arqueou o corpo num espasmo de prazer e atingiu o orgasmo com um gemido longo e rouco.
Desabou, então, exausta nos braços de Dominic, envolvendo-lhe o pescoço com os braços e fazendo um tremendo esforço para conseguir manter as pernas em volta da cintura dele.
No instante em que se esvaziou dentro dela, Dominic sentiu-se esgotado. Tanto pela intensidade do momento que haviam vivido, como pelo esforço de sustenta-la enquanto faziam amor. Suas pernas estavam bambas, os músculos esgotados, e agora, completamente relaxada depois do gozo, Julia afrouxara a pressão em torno da sua cintura e diminuíra a colaboração para se manter suspensa contra a parede. Ele percebeu que não conseguiria sustentar aquela situação por muito mais tempo.
Ele puxou com enorme dificuldade o jeans para cima, deixando-o aberto e frouxo na cintura, escorregou lentamente para o chão, e sentou-se, mantendo Julia contra a parede e montada sobre as suas pernas. Ela abraçou-o, e puxou-o para junto de si aninhando carinhosamente a cabeça de Dominic em seus seios desnudos.
Permaneceram assim, algum tempo. Recuperando as suas forças e sentindo a respiração se acalmar. Julia acariciava deliciada os cabelos de Dominic, e ele permaneceu imóvel, envolvido pela magia daquele momento encantador.
Depois de algum tempo, ele afastou a cabeça do conforto do seu colo, levantou lentamente os olhos e procurando pelos dela. Delicadamente acariciou-lhe os cabelos colocando uma mecha solta atrás da orelha de Julia tocou com ternura o seu rosto, pousou o mais suave beijo em seus lábios, e sussurrou.
'-Você é linda!'
Ela retribuiu ao gesto delicado com um sorriso encantador, também acariciou-lhe delicadamente a face e beijou-o.
Dominic se levantou, e estendeu a mão para ajudá-la. Ela levantou o vestido e sorriu ao perceber que uma das alças havia sido destruída durante a paixão que os dominara, recolheu o que sobrara da sua calcinha e percebeu que ela também estava destruída. Ainda estava sorrindo quando ouviu a gargalhada que Dominic soltou ao levantar a camisa que ele estava usando e se dar conta de que não sobrara quase nenhum botão. Ele desistiu de vesti-la, deixando o tórax musculoso a mostra, e pegando a camisa parcialmente destruída pela volúpia de Julia, envolveu-a com ela. Passou as mangas pelos braços da mulher a sua frente acariciando carinhosamente a pele clara e arrematou o arranjo dando um nó nas pontas a frente da cintura de Julia, cobrindo com sua vestimenta o estrago que havia feito no vestido vermelho durante a paixão do sexo. Sorriu satisfeito com o arranjo ao perceber que Julia abraçava o próprio corpo e aspirava o seu perfume impregnado no tecido que agora a cobria. Estendeu as mãos para Julia num convite silencioso que ela atendeu com um enorme sorriso nos lábios. Ele aninhou-a no círculo dos seus braços e sorriu divertido.
'-Estamos parecendo dois camponeses pervertidos. E... Fizemos sem proteção novamente...'
Ela acompanhou a brincadeira com bom humor dando uma sonora gargalhada.
'-Eu continuo protegida.' Ela respondeu tranquilizando-o, pois, mesmo não estando comprometida com ninguém desde que rompera com Rodrigo, ainda não fizera nada para retirar o DIU. Por uns poucos segundos ficou pensando naquilo, nos motivos pelos quais estava adiando a visita ao ginecologista agora que não estava com um parceiro fixo, e olhando para o homem incrívelmente sexy em seus braços teve certeza de que ele era ao menos em parte o responsavel por isto. Dominic quebrou o momento de reflexão estreitando-a em seus braços com ternura.
'-Você é uma princesa, merece ser amada em lençóis de cetim, e não num estábulo. Como pude ser tão grosseiro.' E ele fez uma gesto de reprovação, lamentado a sua atitude. Julia resolveu participar da brincadeira.
'-Você não tem culpa, eu o agarrei.' Falou lançando-lhe um sorriso maroto e deixando escapar um risinho divertido e sexy. '- E adorei! Nunca havia seduzido um homem antes.' Ela voltou a sorrir de forma sexy.
'-Ainda assim, quero me desculpar. Venha, você pode tomar um banho e se lavar, enquanto eu abro uma garrafa de vinho e preparo algo para comermos. Depois posso amá-la confortavelmente na cama, como você merece.'
Ela começou a rir, por um momento ponderou que era uma proposta absurdamente tentadora, aquele homem maravilhoso, um banho quente, vinho e depois enlouquecer novamente de prazer em seus braços.
Mas, a cautela apareceu em sua mente. Estava indo rápido demais. Já fora loucura, tudo aquilo, agarrá-lo no estábulo. Loucura! Não sabia o que estava acontecendo ali!? Precisava colocar as idéias em ordem, e se permanecesse ao lado dele seria incapaz de pensar racionalmente.
'- Hoje não estou querendo conforto. De qualquer forma, obrigada pelo convite. Mas, preciso ir. Tenho um filhote para cuidar. A propósito, será que já posso escolhê-lo?'
Ele estava profundamente desapontado com a recusa, abaixou os olhos e engoliu em seco. E quando levantou novamente a cabeça, forçou um sorriso antes de responder.
'- É claro! Vamos lá.'
Meia hora depois, Julia dava partida no Jipe, levando consigo um alegre e agitado filhote macho de labrador, ao qual ela deu o nome de Merlim, pois ele a fazia recordar a magia da sua infância.

***
O latido fino do cão a acordou, e quando ela abriu os olhos lentamente o viu, furioso tentando sair da caixa que ela improvisara até que providenciasse o seu canil. Julia levantou-se, tirou o cãozinho da caixa e aninhou-o no colo acariciando a sua cabecinha. O animalzinho respondeu ao afago lambendo a sua orelha, o seu rosto e enterrando o focinho nos seus seios.
Ela começou a rir, pulou fora da cama, pegou a caixa e desceu segurando o seu bichinho no outro braço, enquanto conversava com ele.
'-Você é um mocinho muito esperto e indecente.' Falou afagando-lhe a cabeça.
Abriu a porta da cabana e colocou a caixa em um canto da varanda, onde o sol batia iluminando e aquecendo tudo. Ainda com seu pequeno amigo peludo no colo ela deu um giro rápido pelo quintal e percebeu que os buracos na cerca eram grandes o suficiente para que Merlim fugisse. Precisava dar um jeito nisto, consertar a cerca e mandar construir um canil. Colocou o amiguinho novamente na caixa e entrou em casa, eles poderiam tomar café juntos.
O aroma delicioso e o gosto forte do pó Italiano eram inconfundíveis. Julia aproveitava deliciada o momento único de tranquilidade. Jamais poderia desfrutar algo assim em Nova Era. Sorriu ao observar seu cão devorando avidamente o mingau que ela preparara. Sentiu uma ternura imensa invadir seu peito, e por mais que tentasse não conseguia impedir que ele invadisse a sua mente.
Como era possível afastar o pensamento quando o seu corpo todo ardia com as recordações do que acontecera na véspera naquele estábulo. Impossível não pensar quando suas coxas estavam doloridas de manterem-se abertas para recebê-lo e pelo esforço para se enlaçar nele durante o ato.
Como não pensar se seus seios estavam ainda sensíveis e marcados pelas carícias da sua língua e de suas mãos. Como esquecer se podia sentir na boca o gosto dos lábios de Dominic, e escutar claramente as palavras sussurradas em seu ouvido: 'Você é linda, e merece ser amada como uma princesa.'
Enquanto mastigava uma grossa fatia de pão caseiro, presente de uma paciente, que ela lambuzara com uma generosa camada de manteiga da cooperativa local, Julia se forçou a pensar racionalmente. Era preciso, fora por isto que reacusara o convite tentador de ir para a cama dele. Sabia que tinha que analisar a situação racionalmente, e tinha consciência de que não conseguiria fazê-lo nos braços de Dominic.
Não podia negar que se sentia atraída por ele, Dominic a excitava. Também não havia como esconder que ele lhe proporcionara um prazer jamais antes experimentado. Sentira um gozo inigualável nos braços dele. E ele? Não queria pensar, não podia, era um território perigoso, mas era inegável. Ele também se sentira atraído por ela desde o início. Estava tão claro, não havia como ignorar. Evidente na forma como ele olhava para ela, na maneira firme e segura como ele a acariciava, explorando cada centímetro do seu corpo, usando todos os seus recursos para conhecê-la. Seu cheiro, seu gosto, a textura da sua pele. Consciente do seu poder de levá-la ao limite, para então proporcionar-lhe um prazer que homem algum jamais lhe proporcionara.
Sorriu saboreando o prazer de imaginar que podia tê-lo novamente. Já não importava mais, que ele houvesse dito de forma irritante e segura, há alguns meses, que iria tê-la. Ela dera o troco. Desejara-o e o tivera na tarde anterior.
Sexo, prazer, fantasia erótica, luxúria. Era isto! Podia ser isto, um caso excitante, com um homem maravilhosamente delicioso, um amante excepcional. Nunca tivera isto, jamais se permitira uma experiência assim. Mas, seria suficiente? Era só isto? Fora somente sexo, desejo, que os aproximara? Não conseguia responder, estava confusa.
Foi despertada de seus devaneios pelos latidos furiosos de Merlim, que tendo terminado a sua refeição tentava a todo custo sair da caixa. Tomou-o no colo e aninhou-o contra o peito, enquanto tentava decidir o que fazer. Era impossível deixa-lo sozinho dentro de casa. Não poderia soltá-lo, pois os buracos na cerca seriam suficientes para que ele fugisse. Não havia escolha, teria que leva-lo para o consultório, e providenciar o quanto antes o conserto da cerca e a construção do canil.

***

Dominic encaminhou-se ao estábulo, para a sua cavalgada habitual de fim de tarde. Era um hábito que aprendera com seu pai e cultivava com prazer. Não importava se o tempo estava bom ou se chovia, a menos que fosse impossível sair pela intensidade do temporal, ele sempre estava lá. Em algumas ocasiões, mesmo com chuva forte eles tinham percorrido aqueles caminhos. Se estivesse angustiado, triste ou mesmo muito alegre, montava Black Queem, mesmo com o céu desabando sobre sua cabeça.
Quando se aproximou da baia e tocou o trinco que prendia a grossa porta de madeira, o contato com o metal gelado foi um contraste contra o fogo que ardia em seu sangue. Fora instantâneo, o perfume dela ainda estava ali. Sentia na sua pele os contornos dela, na ponta dos dedos e na língua a delicadeza dos seus mamilos, na sua boca o gosto de Julia. Podia ouvir nitidamente a voz rouca e sensual, murmurar com urgência, cheia de desejo: 'quero você aqui, agora.' E no instante em que o seu desejo começava a se tornar evidente através do jeans, recordou-se do telefonema da sua irmã.
O que ela queria afinal? Não conseguia entender? Há algumas horas ela gemera de prazer em seus braços. Haviam compartilhado um momento delicioso, acreditara que haviam começado a se entender, e que as palavras impensadas ditas por ele, naquela noite há alguns meses atrás, haviam sido esquecidas. Podiam começar a se entender, e trabalhar juntos no conserto da cerca e no canil poderia aproxima-los.
Mas que droga! Afinal, o que ela queria? Talvez quisesse levá-lo a loucura e fazê-lo pensar nela vinte e quatro horas por dia. Sorriu com ironia ao pensar que se esta era a sua intenção, ela estava tendo sucesso. Não conseguira tirá-la da cabeça, desde o momento que ela fora embora levando o filhote de labrador. Mais uma vez sorriu ao recordar-se que até sonhara com ela.
Acordara com Julia em seu pensamento, e ela não saíra mais da sua mente. Mesmo enquanto acompanhava o parto tranquilo de uma égua, ou ajudando Joca a vacinar o gado, e mesmo durante o trabalho minucioso e delicado de castrar um jovem garanhão.
Afinal, o que ela queria? Ele não conseguia responder, estava confuso, sentia a cabeça girar e o sangue correr acelerado e fervendo em suas veias. Puxou a égua, preparou o animal e montou. Movimentou a perna e apertou as esporas contra os flancos do animal, a égua entendeu o comando e partiu em disparada. Precisava sentir o vento batendo na sua cara, acelerar o galope do animal para acalmar a sua mente e o seu sangue.

***

Na outra manhã, ele decidiu que iria tomar uma atitude. Não podiam continuar assim... Ele enlouqueceria antes do final da semana. Foi até a casa de Julia bem cedo e não lhe deixou alternativa, esperava por ela no fim da tarde para uma cavalgada e depois uma conversa franca, queria entender o que estava acontecendo entre eles.
A agenda cheia no consultório, somado ao transtorno de ter um filhote de labrador escondido na clínica afastou os pensamentos da sua cabeça. Julia só voltou a raciocinar enquanto se dirigia para o haras. Conversa franca? O que ele queria dizer com aquilo? E como fora petulante, praticamente exigindo que ela fosse encontrá-lo... Ele conseguia ser bastante irritante quando queria... Mas antes que a raiva envenenasse sua mente por inteiro ela chegou ao Haras, e Dominic estava sentado no alto da escada, em sua varanda esperando por ela, e abriu o seu sorriso sedutor tão logo Julia saltou do carro. Foi o antídoto, ela ficou completamente desarmada... Sentiu o coração se acelerar ligeiramente e a cabeça rodopiou com uma leve tontura... Ele sempre tinha este efeito sobre ela, droga! Como ela poderia pensar ou discutir alguma coisa quando ele ocupava seus pensamentos e a sua mente por inteiro, deixando-a temporariamente fora de óbita apenas com aquele sorriso e aquele olhar? Recebeu-a em silêncio, não que quisesse, mas as palavras fugiram da sua mente no mesmo instante em que Julia se materializou a sua frente. A boca ficou seca e o coração parecia um samba fora do ritmo. Que diabos estava acontecendo com ele? Era só uma mulher, como tantas outras. Ok! Estava certo que era uma das mulheres mais sexy's que ele já encontrara, mas que diabos! Eles já haviam dormido juntos... Porque então agia como um idiota todas as vezes que se encontravam, tímido, travado, como se tivesse medo de perdê-la. Sabia que isto não iria acontecer, principalmente depois do que acontecera na tarde de ontem no estábulo. Ela estava caidinha por ele.
Ainda que tentasse encorajar-se com aqueles pensamentos Dominic permaneceu mudo enquanto se dirigia para as baias, e se limitou a apenas um gesto de cabeça para incitar Julia a acompanhá-lo. Ela hesitou um pouco, quem ele pensava que era? Mas vendo que Dominic mantivera o passo sem olhar para trás limitou-se a seguí-lo.
Os animais já estavam prontos. Black Queem a bela égua negra de Dominic estava majestosa com a sela de couro preta, sobreposta à manta vermelha, a cabeçada também era negra e os estribos cor de prata envelhecida formavam um belo conjunto. O animal que ele escolhera para Julia era um macho da raça campolina. O contraste proporcionado pela brancura luminosa do cavalo ofuscava a visão. Era um animal enorme, com porte elegante, o pelo escovado era incrivelmente branco, não havia nenhum fio de outra cor para macular a beleza do cavalo. A manta era verde, e a sela de couro também era preta, os estribos eram dourados. Os dois espécimes eram realmente magníficos. A expectativa de montar o belo animal encheu Julia de prazer e no mesmo instante afastou as dúvidas e incerteza que estavam povoando a sua mente.
Ainda sem emitir qualquer palavra, Dominic segurou os freios para que Julia montasse. Ele observou encantado toda a cena. Ela estava magnifica no traje de montaria. A camisa amarela de botões, ajustada ao corpo delgado e moldando os seios que ele conhecia a perfeição, as mangas estavam dobradas nos cotovelos produzindo um efeito de elegancia casual. A calça preta propria para montaria, era bem ajustada ao corpo, deixando evidentes os contornos das pernas e nas nedegas magnificas, exigindo de Dominic um esforço gigantesto para conter o impulso de deslizar as mãos por aquelas coxas maravilhosas ou de apertar-lhe os quadris e toma-la mais uma vez. A cascata de cabelos dourados fora domada e presa em um rabo de cavalo e a cabeça estava protejida por um chapeu de couro preto. As botas, limpas, brilhantes, mas exibindo marcas que denunciavam que aquela era uma amazona acostumada a cavalgar, não era uma principiante, não era uma garota da cidade, mas uma mulher que sabia montar. Ela subiu com elegancia e desenvoltura, e enquanto Julia se ajustava ao lombo do animal, ele calçou as perneiras de couro e também subiu em sua égua. Num rápido movimento ele comprimiu os flancos de Black Queem, e a égua iniciou o trote. Com a desenvoltura que demonstrava toda sua habilidade como amazona Julia repetiu o gesto e o seguiu. Mesmo estando à frente Dominic observou atentamente os movimentos de Julia, e quando percebeu que ela montava como uma veterana sorriu satisfeito, aquilo era maravilhoso. Ele comandou a cavalgada conduzindo-a pelos campos verdes que formavam a sua bela propriedade. Seguia quieto, sem palavras, mostrando a Julia os recantos mais belos daquela deslumbrante paisagem. Estava correndo exatamente como ele planejara. Primeiro mostrar a Julia todo o haras, cada recanto, as cores e os sons, os cheiros da natureza. Já aprendera alguma coisa sobre aquela mulher, e o seu encantamento pela natureza era algo que ele descobrira logo, sabia que aquilo iria comovê-la e Dominic tinha certeza de que Julia estaria mais acessível para a conversa que ele queria ter. Precisavam definir a situação entre eles, não podiam continuar assim. Era uma situação inconcebível, eles se desejavam, estava tão claro como o céu acima de suas cabeças. Ela estivera em seus braços ontem, completamente rendida, prisioneira do prazer que Dominic lhe proporcionara, e depois... Aquela maldita frase... 'Não é certo...' 'Não podemos...' Ele não entendia, não podia entender, sabia que ela também estava envolvida naquela atmosfera erótica que se formara entre eles. Julia o acompanhava também calada. A exuberância de tudo o que ela via a surpreendia. Nem de longe se parecia com a paisagem que ela avistava de sua janela. Era muito mais vivas, as cores saltavam das flores e ofuscavam seus olhos com toda aquela luminosidade. Subiram a colina, até que Dominic puxou as rédeas fazendo a égua interromper seu trote, Julia que o seguia de perto repetiu o gesto e também parou. Lado a lado eles contemplaram a extensão das terras que haviam percorrido. Os campos de um verde luminoso e ao fundo a grande casa da fazenda. Dominic desmontou com elegância e prendeu Black Queem a única árvore encravada no topo da colina, aproximou-se do cavalo branco e segurou as rédeas para que Julia pudesse desmontar também. Ele sentiu um aperto no coração ao vê-la saltar do enorme cavalo com graça e leveza exibindo um enorme sorriso de satisfação no rosto. Foi apenas o tempo de Dominic prender Lord também na árvore e quando se voltou novamente para ela, Julia estava em pé, bem na ponta da colina admirando a planície que se estendia a sua frente. Dominic se aproximou devagar e cautelosamente, precisava ser cuidadoso agora que conseguira seu intento. Carinhosamente abraçou Julia por trás, envolvendo-a em seus braços e sentindo o seu corpo se ajustar perfeitamente ao dela. Sorriu satisfeito ao perceber que Julia não se afastara, recebeu o abraço sem reservas e se ajustou a ele, deixando o corpo descansar de encontro ao de Dominic, completamente relaxada.
-É lindo! Magnífico! Libertador! Julia exclamou
Aquelas palavras penetraram os ouvidos de Dominic e acenderam na sua mente uma onda de ternura. Era assim mesmo que ele se sentia quando se refugiava ali, a sensação de comunhão que ele experimentava naquele momento era inesperada e inédita.
-Este é o meu lugar favorito, para onde eu venho quando preciso pensar, meditar, se estou alegre ou triste.
Eles permaneceram unidos, absorvidos pela atmosfera mágica do momento. Dominic sabia que aquele era o momento, mas no instante em que virou Julia fazendo com que ela o encarasse de frente acabou rendido, com aqueles imensos olhos azuis a encará-lo, e sem perceber, puramente por instinto afastou o chapéu que cobria a cabeleira dourada, deixando-o cair solto nas costas de Julia, cobriu-lhe a boca com a sua e arrebatou-a num beijo ardente e apaixonado. O choque em Julia foi tão grande que ela não teve outra reação, mergulhou naquela boca e se deixou levar. A sensação de prazer inicial, que a boca quente e macia de Dominic lhe proporcionava fez com que ela flutuasse e sem perceber aprofundasse o beijo. Ele continuou a provocá-la, passeando com os lábios sutilmente sobre os seus, mordiscando, provando, degustando como se ela fosse um chocolate fino. Invadiu a boca de Julia com a lingua e capturou a dela, enroscando-a e saboreando ao mesmo tempo em que a incitava a enlaçar a dele. E ela se esbaldou, se afogou, envolveu a nuca de Dominic com os braços e afastou a cabeça oferencendo-lhe o pescoço para que ele pudesse se deliciar. E Dominic se fartou! Emoldurou o rosto de Julia com beijinhos, desceu a boca percorrendo o contorno da mandibula, mordiscou-lhe o queixo petulante e se banqueteou no pescoço delgado sentindo a pulsação de Julia se acelerar. Ainda envolvida na delicia das sensações que ele despertava em seu corpo e em sua mente, sentindo o corpo tremulo e as pernas bambas, ela não percebeu quando ele desabotoou os dois primeiros botões da camisa amarela e capturou um dos seios nas mãos deslizando os polegares rudes e calosos pelos mamilos. Ela explodiu numa massa de volupia a sensações. Milhões de fogos de artificio espocaram em sua mente, foi como se ela tivesse mergulhado de cabeça em uma banheira de champanhe e tivesse engolido todo o conteúdo de uma única vez. Nada mais fazia sentido, nada mais parecia existir a não ser ele. A boca implacável e rude, dominando e conquistando a sua. As mãos possessivas mostrando que ela era propriedade dele. E naquela fração de tempo em que o prazer a envolveu por completo, aquela era a única verdade. Dele! Ela era toda dele, e dava-lhe permissão para tomar o que quisesse, da maneira que desejasse, ele tinha o poder de fazer tudo com ela e ela permitiria, sem restrições, sem regras.
O calor das mãos firmes e ao mesmo tempo gentis percorrendo o seu corpo, e o poder da boca dominadora e implacavel sobre a sua, quase a dominaram. Mas no exato instante em que ela se sentia rendida e pronta a se entregar novamente ao desejo que era evidente entre eles, a razão veio se interpor entre seus corpos. Dominic percebeu os músculos de Julia se tornarem pouco a pouco tensos junto ao seu corpo, à medida que os pensamentos racionais substituíam a pura satisfação que eles desfrutavam com o beijo. Não podia continuar com aquilo, precisava pensar... Saber o que estava acontecendo entre eles... Não podia simplesmente se entregar a ele como já havia feito. Não era certo! Não era direito! Tinha uma reputação a preservar. E... Não sabia o que ele realmente queria... Recusara o convite tentador que Dominic havia lhe feito na véspera para analisar a situação racionalmente, não podia simplesmente jogar tudo pro alto por causa de um beijo, por mais delicioso que fosse... Como Dominic mantivesse os braços em torno do seu corpo, envolvendo-a por inteiro e mantivera a boca colada na sua, e não abrandara nas carícias que oferecia com a língua, Julia começou a perder a batalha contra a sua consciência. Mas no momento em que sentia seu corpo relaxar e a cabeça rodopiar atordoada, ela recuou.
-Não! Não posso! Não é certo!
A violência das palavras assustou Dominic mais do que a força das mãos que comprimiam seu peito para mantê-lo afastado.
-Não é certo! Não podemos simplesmente ficar juntos a todo instante.
-Porque não, se ambos estamos desejando isto?
As palavras fugiram da mente de Julia, os argumentos não pareciam fazer sentido. Ela tentava raciocinar, mas ainda estava tonta e todo o sangue fugira da sua cabeça e se concentrara na sua pelve.
-Ou você vai negar que me deseja?
O tom de voz era indignado, e isto foi suficiente para fazer algo borbulhar dentro de Julia. Era aquilo que estava errado, aquela arrogância, a certeza inabalável que ele tinha de que ela o desejava. 'Eu vou tê-la'. Quem ele pensava que era.
-Não posso negar que o desejo, mas isto não significa que eu tenha que me deitar com você todas as vezes que nos encontramos.
-Qual é o problema então? Você tem alguém? Ele agora também estava furioso, ela estremecera em seus braços há poucos minutos e agora queria bancar a durona, apenas um dia depois de quase tê-lo devorado naquele estábulo... Mocinha irritante...
-Não estou comprometida com ninguém, mas isto não significa que tenho que me deitar com você.
-Esta não era sua opinião ontem no estábulo. No exato instante em que completou o pensamento Dominic percebeu que se perdera. Fora à coisa mais estúpida que ele poderia dizer. Sabia que conseguira piorar as coisas, mas ainda assim acreditava que pudesse salvar a situação se desculpando.
Julia demorou alguns minutos para processar as palavras de Dominic, mas no instante em que elas fizeram sentido em sua mente, compreendeu tudo. Estava mesmo certa, não podiam continuar com aquilo, era um grosso... Arrependia-se amargamente do que acontecera. Fantasia erótica! Era isto que acontecia, ser chamada de puta! Entregara-se aos seus desejos... E ele agora acreditava que tinha direitos sobre ela... Grosso! Machista! Não podia acreditar que ele a deixasse atordoada como acontecera há alguns minutos. Era um arrogante, metido que se achava irresistível. Mas não iria tê-la, não mesmo.
Furiosa e ignorando completamente o pedido de desculpas de Dominic, Julia soltou o grande cavalo branco, montou com eficiência e partiu a todo galope. Dominic repetiu as ações e saiu em disparada, mas só conseguiu alcançá-la quando Julia estava entrando no carro.
-Julia! Por favor! Escute-me. Ele gritou desesperado.
-Não há mais nada para conversarmos. Ela foi seca e firme.
-Por favor, me desculpe! Eu fui um estúpido, grosso...
Mas ela arrancou, sem dar-lhe ouvidos, deixando-o sem ação.
Dominic retornou ao estábulo, prendeu Lorde na entrada das baias e novamente montou em Black Queem partindo em disparada pelos campos.
Ele permaneceu sentado embaixo da árvore enquanto o sol se punha no horizonte. A luminosidade da paisagem contrastava com o seu espírito, ele estava nublado, cinza, como um dia de tempestade. Tinha feito a maior burrada. Mais uma vez metera os pés pelas mãos, novamente conseguira dizer as maiores asneiras ao lado dela. Que droga! O que acontecia com ele quando estava perto de Julia. Estava parecendo um bebê em matéria de cortejar uma mulher. Afinal, ele sabia como cortejar uma mulher, ou será que não? Antes que a dúvida se infiltrasse em sua mente ele tratou de rechaçá-la. É claro que sabia como cortejar uma mulher, já cortejara e conquistara muitas ao longo destes anos. Então aonde é que errara? Por mais que tentasse descobrir ele continuava no escuro. Qual era o problema com ela? Porque insistia em dizer que não era certo, que não podiam? Eram ambos desimpedidos, não estavam comprometidos com ninguém, E... Desejavam-se tanto...
Estava ficando escuro e sua cabeça começara a doer, era melhor voltar para casa. Dar tempo ao tempo precisaria ter paciência agora, depois da burrada que cometera.

***

domingo, 13 de novembro de 2011

DEVERES, SONHOS E PAIXÕES - Capitulo 6

Capitulo 6

O telefone colocado na mesinha ao lado da sua cama soou estridente por alguns minutos, antes que ela fosse despertada. Levantou-se sobressaltada e achou graça. Apenas algumas semanas e já começava a perder o costume adquirido nos plantões de despertar ao primeiro toque, estava ficando mal acostumada às noites tranquilas.
Retirou o fone do gancho e levou o aparelho ao ouvido procurando abafar o bocejo que se iniciara.
'-Alô!'
'-Dra. Julia, desculpe. É o meu marido ele está passando mal...'
Não foi difícil para a médica reconhecer o medo e a angústia na voz do outro lado da linha. No entanto todos os anos passados nas emergências, desde os tempos de acadêmica até os seus últimos plantões, há haviam ensinado alguma coisa. Precisava fazer um inventário rápido e objetivo da situação, pois sair de casa no meio da noite para atender um alarme falso, era muito mais desagradável do que ser acordada em plena madrugada, no plantão para atender esposas infelizes.
'-O que ele está sentindo?'
'-Dor no peito, ele está molhado de suor, e...'
Antes que a mulher terminasse a frase Julia já começara a raciocinar clinicamente. Aquilo não era brincadeira, nem uma esposa histérica, era grave.
'-Me dê o endereço que estou indo.'
Menos de quinze minutos depois ela parou o jipe na porta da casa de muro amarelo, que afortunadamente não ficava muito longe. Retirou de dentro do carro a sua bolsa e o aparelho de eletrocardiograma.
Talvez escutando o barulho do carro a mulher do doente abriu a porta tão logo Julia acabou de vencer os três degraus que separavam a casa da calçada.
'-Doutora, acho que ele está pior, pois a respiração está esquisita.'
A mulher estava aflita, arrastando a médica para dentro enquanto falava. Aquelas duas palavras, 'respiração difícil' soaram como uma sineta na cabeça de Julia. Antes de prosseguir ela deu uma ordem curta e clara a mulher.
'-Vá até o carro e traga a maleta que está no porta-malas, eu o encontro.'
Seu tom de voz era firme e seguro, próprio das pessoas acostumadas a estar no comando. Esta era uma de suas contradições fascinantes, a mulher tímida e envergonhada, se tornava segura e confiante no exercício da sua profissão. Ali sentia-se no comando, sabia como se comportar não tinha medo.
Julia avançou a passos rápidos e não demorou muito para encontrar o quarto. Estava quente e abafado. O cheiro de suor e de doença, que ela tantas vezes já sentira nas inumeras noites de plantão, impregnava o local. As janelas fechadas e as cortinas cerradas davam um ar opressivo ao ambiente, como se a morte, aquele eterna inimiga da medicina, estivesse a espreita, aguardando para entrar em cena. Seria bom escancará-las e deixar entrar o frescor da noite e a claridade do luar, mas não podia perder tempo com isto.
Enquanto ruminava aquelas conjecturas, já havia adaptado o esfigmomanômetro ao braço do paciente, verificou a pressão. Doze por oito, nada mal. Segurou o pulso e se alarmou quando finalizou a contagem, cento e vinte por minuto, aquilo não era bom, rápido demais.
O homem estava pálido, um suor gelado cobria-lhe a pele tornando-a pegajosa, a respiração era barulhenta, mostrando que o ar tinha dificuldades em entrar e sair dos pulmões. A médica ajustou o estetoscópio no ouvido e aplicou-o ao peito do paciente.
Cuidadosamente escutou os sons do seu coração. Movimentou o instrumento em várias direções, procurando captar todos os aspectos da sonoridade do paciente, e a cada novidade, sua fisionomia se tornava mais tensa. Era mais grave do que imaginara.
Abriu a maleta de emergência que ela sempre trazia no porta-malas do carro e retirou dois comprimidos de ácido acetil salicílico. Entregou-os ao paciente e mandou que ele mastigasse, então, aproximou-se da cama e mandou que o homem abrisse a boca e levantasse a língua e depositou ali um pequeno comprimido rosa, orientando-o a deixa-lo se disssolver. Poucos minutos depois, a droga começava a agir, aliviando um pouco do desconforto que aquele homem vinha experimentando desde o início da noite.
Quando ligou o aparelho de eletrocardiograma, Julia já sabia o que iria encontrar. Não ficou surpresa quando o papel termosensível foi marcado com uma imagem deformada do impulso elétrico do coração, indicando que uma grande parte do músculo cardíaco estava sofrendo um processo de isquemia.
Jesus! Aquilo era grave, aquele homem não tinha a menor chance de sobreviver ali, o dano miocárdio era extenso demais. Ele precisava ser levado para um hospital. Deus! O que iria fazer?
Tentando raciocinar objetivamente, a jovem médica acionou o telefone para chamar o seu colega.
O velho médico acordou ao primeiro toque do telefone, estava acostumado aquilo, fizera isto a vida toda. Ainda que eles tivessem acertado que Julia iria responder aos chamados noturnos, pois ele estava cansado, Luís Antônio sabia que isto levaria tempo. Era o médico da cidade há tempo demais, as pessoas demoravam a se acostumar com a novidade, e, ele sabia, que alguns pacientes mais antigos não o abandonariam de forma alguma. Muitos eram resistentes as mudanças, e outros, desconfiavam da médica nova. Jovem demais, bonita demais para ser uma boa médica, não importando o que ele lhes dissesse em contrário, eles seriam sempre relutantes e turrões.
'-Alô! É o Dr. Luís Antônio.'
'-Luís Antônio, preciso de ajuda. É o Gilberto Ramos, infarto anterior, se não transferirmos ele não vai agüentar.'
Julia procurou ser o mais discreta possível para não alarmá-los. O velho médico captou a gravidade da situação nas entrelinhas da conversa. Vestiu-se rapidamente e em pouco tempo estava se juntando a colega. Ouviu o relato breve do caso e não teve qualquer dúvida. Já perdera pacientes assim, quando os avanços da cardiologia eram precários e o infarto era uma doença quase tão difícil quanto os cânceres mais agressivos. Mas, agora! Estavam num século de evoluções, e ele tinha ao seu lado uma profissional extremamente competente, e o que era ainda mais importante, humana. Julia se preocupava realmente com os pacientes.
'- Santa Lucia, é o hospital mais próximo com recursos para recebê-lo, tem CTI e hemodinâmica.'
'-Quanto tempo?' Julia perguntou aflita.
'-Cem quilômetros, uma hora, quarenta minutos a esta hora, se formos rápidos.'
'-Você dirige, eu vou com ele atrás.'
O Dr. Luís Antôniol acelerou o máximo que pode. Antes de partirem a Dra. Julia puncionou a veia do paciente, deixando acoplado um escalpe para o caso de haver necessidade da administração de algum medicamento.
Prevendo a gravidade do caso, preferiu organizar algumas drogas, aspirando-as em seringas; adrenalina, atropina, ancoron, lasix; deixando-as prontas para qualquer emergência. Manteve o aparelho de pressão no braço do paciente e o estetoscópio no pescoço.
Durante todo o trajeto, a Dr. Julia monitorizou incansavelmente os sinais vitais do paciente. Inicialmente, ficou confiante. Ele era um homem previamente saudável, seu único pecado era o vício do cigarro, e depois do comprimido de nitrato a dor havia aliviado um pouco e a respiração estava mais leve.
Entretanto, a medida que o Dr. Luís Antônio avançava, a angústia voltou a dominar as suas emoções. As coisas não estavam seguindo um bom curso. O breve período de estabilidade hemodinâmica foi sendo substituído por uma progressiva piora do quadro.
A respiração do homem tornou-se ruidosa e difícil. A pele novamente ficou fria e úmida, coberta por um suor pegajoso, os lábios pálidos e uma coloração azulada começou a aparecer na ponta dos dedos. Quando checou novamente a pressão, a médica ficou ainda mais apreensiva, não estava mais satisfatória, caíra perigosamente indicando que o coração estava mais fraco. Ao avaliar a pulsação, que outrora estava forte e rápida, Julia percebeu que, agora, o pulso se encontrava fino e quase imperceptível, um sinal claro de insuficiência circulatória.
'-Está chocado.'
Ela emitiu as palavras para alertar o outro médico que dirigia. O velho doutor percebeu a angústia no tom de voz da jovem colega, e reconheceu a sua ordem.
'-Estou fazendo o melhor que posso.' Ele respondeu de forma seca, mas não deixou de demonstrar pela entonação das palavras que também estava preocupado.
Procurando utilizar todos os poucos recursos de que dispunha para sustentar a vida daquele homem até que chegassem ao hospital, Julia se confrontava pela primeira vez com uma dúvida real sobre a sua mudança. Será que tinha feito a escolha certa? Será que não fora precipitada? Nos últimos meses vinha fazendo muitas coisas de forma precipitada. Primeiro transara com um barman desconhecido, depois abandonara um emprego promissor e uma carreira certa na universidade por uma cabana encontrada no final do arco-íris, e depois trepara com outro desconhecido. Alias, aquilo estava virando sua rotina sexual.
E, agora, estava ali, completamente impotente, com um moribundo nas mãos, um caso grave de infarto agudo do miocárdio. Ele com certeza sobreviveria se eles estivessem no hospital universitário. Há esta altura eles já teriam estabilizado a sua condição e o paciente estaria entrando no laboratório de hemodinâmica para fazer a angioplastia e resolver o problema. Mas ali, naquele fim de mundo! Nem mesmo uma ambulância para um transporte adequado?!
O médico parou o carro na porta do hospital e saltou com uma agilidade surpreendente para a sua idade. Correu até a recepção do hospital e como era um velho conhecido de todos não demorou a retornar com o maqueiro. Colocaram o paciente na maca e imediatamente o conduziram a sala de 'Grande Emergência'.
A Dr. Julia acompanhou-os e enquanto o paciente era deslocado da maca para o leito, identificou o médico de plantão, que já estava calçando as luvas e empunhando o laringoscópio. Rapidamente, com a eficiência de quem esta acostumado a chefiar a equipe de plantão, ela fez um relato objetivo do quadro clínico e de suas ações terapêuticas.
Mesmo enquanto escutava o relato preciso da colega, o médico não interrompeu o seu trabalho. O tubo orotraquel, depois que o cuf havia sido testado pelo enfermeiro, foi colocado próximo sob um campo estéril. Com a mão esquerda o doutor segurou o laringoscópio, aproximou-se do rosto agonizante do doente e utilizando a mão direita num movimento firme, porém, delicado tracionou a mandibula para cima estendendo-lhe o pescoço. Ao mesmo tempo introduziu a lâmina curva do laringocópio na boca do homem moribundo, afastando a língua e expondo toda a cavidade oral.
A boca mantida aberta pelo movimento combinado da tração do mento e do laringoscópio, era iluminada pela lâmpada de fibra ótica localizada na ponta do instrumento permitindo ao médico enxergar a profundidade da garganta. Ele ergueu um pouco mais o instrumento aumentando o seu campo de visão e dobrou ligeiramente os joelhos, curvando-se um pouco mais, para que seus olhos ficassem na altura da boca aberta.
E, então, não teve dificuldades para visualizar a epiglote. A lâmina do laringoscópio, foi passada por baixo da cartilagem que separa o esôfago das vias respiratórias, e delicadamente levantada tornando plenamente visível as cordas vocais, este era o sinal. Mantendo o olho fixo, para não perder de vista as duas saliências que se abriam e fechavam com a passagem do ar e eram o seu guia do caminho a seguir, o médico estendeu a mão direita. Num movimento coordenado e eficiente de equipe o enfermeiro entregou-lhe o tubo. A prótese plástica foi introduzida através das cordas vocais e alcançou a traquéia.
Enquanto o médico retirava o laringoscópio e endireitava o corpo, o enfermeiro utilizou uma seringa para insuflar o cuf e impedir que o ar percorresse caminhos anormais, em seguida acoplou o ambú ao tubo e apertou a bolsa plástica que lembrava uma bola de futebol americano, introduzindo artificialmente ar enriquecido em oxigênio nos pulmões do paciente.
O plantonista utilizou o estetoscópio para escutar os pulmões e certificar-se de que o ar estava circulando em todas as direções. Antes que eles pudessem adaptar o respirador para substituir temporariamente aquele pulmão, o outro enfermeiro deu o alarme.
'-Fibrilando!'
O médico imediatamente alcançou as pás do desfibrilador posicionando-as sobre o peito do paciente.
'-Vou no três. Um, dois, três.'
Mantendo o equipamento sobre a pele do paciente ele verificou a tela do monitor, sem perder tempo aumentou a carga e novamente disparou fazendo com que um impulso elétrico percorresse o peito do paciente. Mais uma vez olhou atentamente o monitor e constatou que não tivera sucesso. Pela terceira vez ele voltou a aumentar a carga e disparou um choque de trezentos e sessenta joules no peito do paciente e constatou frustrado que novamente não havia sucesso.
Julia que já havia calçado luvas e acompanhava todo o procedimento atentamente, se aproximou e começou a massagem cardíaca, se integrando prontamente a equipe. O médico de plantão manteve as pás do desfibrilador nas mãos e iniciou as ordens para os medicamentos.
'-Adrenalina, duas.'
Eles utilizaram todos os recursos disponíveis, compartilharam seus conhecimentos e sua experiência na tentativa incansável de salvar aquela vida, mas foi em vão. Uma hora depois os esforços foram encerrados e o paciente foi declarado morto.
O Dr. Luis Antonio que era um antigo conhecido da família, se encarregou de dar a notícia à esposa. Os enfermeiros começaram a preparar o corpo que seria transportado para a capela do hospital até a chegada do serviço funerário. Os dois jovens médicos procuraram o refúgio da cantina.
'-Damião, dois cafés.' Pediu o Dr. Henrique.
Era um médico jovem, não mais que trinta e cinco anos, alto e magro. O cabelo escuro e escorrido era cortado bem rente de modo que os fios ficavam arrepiados, um efeito que se acentuara com o suor decorrente do esforço de tentar ressucitar o paciente. Julia não conseguia definir se achava que ele era bonito. Simpático, sem dúvida. Agradável, também era fácil perceber e honesto, ele tinha a expressão de um homem em quem se podia confiar. Observando-o caminhar em sua direção, ela acrescentou mais uma qualidade a sua lista, elegante.
'-Sou Henrique Nóbrega, chefe do setor de emergência. Era seu paciente?' Ele perguntou estendendo a mão para um cumprimento enquanto se sentava à frente dela.
'-Prazer, Julia. Na verdade, não. Estava respondendo a uma chamada domiciliar.'
'-Nova Esperança?' Ele perguntou, pois se lembrara de que o Dr. Luis Antonio ficara encarregado da família.
'-Me instalei há alguns meses.'
'-Em definitivo?' Ele perguntou curioso com a possibilidade de um bom profissional por perto.
'-A idéia é esta. Progressivamente vou assumir os pacientes de Luis Antonio.'
'-Seja bem vinda, é bom ter gente competente por aqui.' Ele não escondeu a satisfação nas palavras.
'-Obrigado. A propósito, quero parabenizar a equipe, vocês são excelentes.' Julia também não omitiu a satisfação na voz.
'- O hospital tem como política que todos os médicos façam o ACLS e os enfermeiros o BCLS, e além disto, temos treinamento periódico para mantermos a equipe alerta.'
'- Ainda assim, não conseguimos salvá-lo.' O tom de mágoa, fracasso e fúria era indisfarçável em sua voz.
Henrique também estava se sentindo assim, era sempre uma reação natural quando não conseguiam ressuscitar um paciente. Mas queria confortá-la, a colega havia feito muito mais do que qualquer outro médico em situação semelhante. Ela tinha um compromisso com o doente que lembrava os primórdios da profissão.
'-Era um infarto extenso...'
'-Ainda assim, se tivéssemos chegado mais rápido e se houvessem recursos melhores no transporte, ele poderia ter sobrevivido...'
'-Ou não.' Ele foi firme, tentado aliviar a carga de angústia que percebia na colega.
O silêncio se estabeleceu enquanto os dois médicos saboreavam o café forte e amargo. Julia se surpreendeu pelo fato de ser saboroso, ela era uma apreciadora apaixonada da bebida e conhecia qualidade precária do líquido preparado na maioria dos hospitais.
Henrique estava curioso. Não fazia sentido. O que aquela mulher estava fazendo ali? Ela era uma moça da cidade, ele podia ver pelas roupas sofisticadas e o visual moderno. E a sua postura profissional? Era alguém acostumado a atuar em grandes emergências, tinha o linguajar atualizado, a postura de quem transitava em serviço de ponta. A forma precisa e objetiva com que ela lhe relatou o caso, deixava claro que ela era uma médica acostumada ao ambiente universitário, aos congressos, não era uma médica do interior.
'-É fácil perceber que você valoriza a tecnologia, porque a mudança?'
'-Acho a tecnologia imprescindível, e hoje pela primeira vez duvidei da minha escolha... Mas, cansei de ser cerceada no meu direito de trabalhar... Planos de saúde, acabaram com a medicina... Estava insatisfeita, e um acidente me trouxe pra cá.'
Ele continuou a fitá-la curioso, esperando que Julia lhe revelasse a natureza do acidente, mas ela permaneceu calada, até devolver-lhe a pergunta.
'-E você? Também percebi que valoriza a tecnologia, como veio parar aqui?'
Mesmo inconscientemente ele ficou irritado com a insinuação de que estava num hospital precário e protestou antes de responder.
'-Temos o que há de melhor por aqui. Somos o único hospital da região e estamos aparelhados para realizar angioplastia, cardíaca e até neurocirurgia.'
'-Hum.' Ela concordou monossilábica.
'-Minha mulher e eu queremos dar qualidade de vida a nossos filhos, tão logo terminamos a faculdade não tivemos dificuldade em aceitar a proposta do hospital.'
'-Ela é médica também?'
'-Pediatra.'
Julia concordou com um movimento de cabeça e permaneceu calada. Os pensamentos giravam ininterruptamente em sua cabeça.
'-Você disse que este é o único hospital da região?'
'-Em todo o vale.'
'-E atendem os seguros-saúde e o governo?'
'-E particulares também.' Ele concordou sem entender aonde ela queria chegar.
'-Têm um bom movimento?'
'-Ah, sim! Qualquer um que precise de procedimento mais sofisticado por aqui, acaba conosco.'
'-Hum.'
Agora ele ficara realmente curioso. Aonde ela queria chegar?
'-Ei! O que você está pensando?'
'-Hum, não sei. Preciso deixar a idéia amadurecer...'
'-Mas isto é putaria. Você me enche de perguntas, me deixa totalmente curioso, e não vai falar nada?'
'-Prometo que você será o primeiro a saber.'

***
Não era uma situação nova para ela. Os anos passados no ambiente universitário haviam preparado Julia para uma ocasião como aquela. O que a estava deixando com um frio na barriga e a sensação de uma dúzia de pedras no estomago era a deferência com que ela fora tratada quando Henrique ligara solicitando ajuda, há algumas semanas atrás. Ela sabia que os membros do corpo clinico do Hospital estavam considerando-a como uma formadora de opinião, alguém a quem se poderia recorrer em situações extremas, casos complicados e não habituais. Não era medo, ela tinha plena confiança no seu potencial e na sua qualificação profissional. Era boa, muito boa no que fazia e sabia disso. O que a incomodava era a exposição, era ser o centro das atenções, era ser alçada a posição de destaque, não gostava daquilo, preferia a descrição. Não estava em busca de holofotes, gostava da simplicidade e do ritmo lento que encontrara em seu cantinho no fim do arco-íris.
Acordou cedo e pouco depois das sete horas já estava na estrada. Viu o sol surgindo e clareando tudo ao longo do caminho. Deliciou-se com a oportunidade de apreciar a paisagem florida que serpenteava as margens da estrada dando a tudo um colorido encantador e que dera a origem ao nome pelo qual toda aquela região era conhecida - Vale da Flores. O ar estava fresco e límpido, o aroma das flores impregnava o ambiente fazendo com que Julia dispensasse o ar condicionado e dirigisse com as janelas do Jipe escancaradas para o frescor daquela manhã. No radio a voz incomparável de Elis Regina celebrava os pingos na roseira, os passarinhos e a primavera cantando o clássico do mestre Tom Jobim, como se fosse uma trilha sonora especialmente criada para aquela manhã. A médica cantarolava a letra de "Chovendo na Roseira", ao mesmo tempo em que dedilhava a melodia no volante como se ele fosse um piano, estava feliz! Como não havia tráfego naquela hora da manhã ela fez o percurso em cinquenta minutos. Deixou o carro no estacionamento do hospital e entrou dirigindo-se a recepção principal. Ela estava instalada em Nova Esperança há apenas alguns meses mas já era conhecida ali, afinal aquele era o único hospital da região e sempre que algum paciente necessitava de cuidados hospitalares era para o Hospital Geral do Vale que ele era encaminhado e Julia já tivera alguns de seus pacientes internados ali, e também começara a frequentar as sessões clínicas do hospital que aconteciam uma vez por semana.
Fora Henrique quem a convidara na primeira vez que ela fora ao hospital, poucas semanas depois de Julia se instalar definitivamente em Nova Esperança, levando um paciente que acabara falecendo em decorrência de um infarto extenso mesmo com todos os esforços que eles empregaram para tentar salvar aquela vida. Naquela noite, os dois médicos tomaram café e conversaram por um longo tempo, e Henrique convidou Julia para participar das sessões clínicas que aconteciam sempre nas manhãs de quinta-feira, seria uma maneira da colega se integrar e conhecer os outros membros do corpo clínico do hospital e Henrique suspeitava que Julia seria uma contribuição valiosa para aumentar a qualidade das discussões, pois ela vinha de um ambiente universitário, era extremamente competente e praticava medicina de ponta. A idéia agradou Julia. O intercâmbio, a troca de conhecimento e de experiências era uma das facetas que ela mais gostava e fora uma das coisas que ela mais sentira falta quando deixara o Hospital Universitário e se mudara para Nova Esperança. Julia arrumou seus horários, organizou sua agenda e todas as quintas-feiras ela percorria os cem quilômetros que separavam as duas cidades e participava ativamente da sessão clínica do hospital.
Naquela manhã ela seria o centro das atenções, seria a relatora do caso clinico e lideraria a discussão, e todos os presentes esperavam que ela lhes trouxesse informações valiosas, era um caso raro, incomum na prática clinica do dia-a-dia, e Julia fora decisiva na resolução do mesmo ao aceitar ser a consultora e responder ao parecer solicitado por Henrique quando todo o corpo médico do hospital estava tendo dificuldades em entender o que acontecia com a paciente. Agora, pouco mais de um mês depois, a paciente estava completamente recuperada e Julia iria apresentar o caso na sessão clínica daquela manhã.
A médica sentia-se feliz e em casa enquanto caminhava pelos corredores largos e impecavelmente limpos do hospital. O chão era de granito branco e brilhava como um espelho, sendo constantemente supervisionado pela equipe de limpeza para que nenhuma sujeira maculasse a pureza do local. As paredes eram pintadas de um tom muito claro de amarelo o que dava um aspecto alegre e suave a enorme construção, numa tentativa de diminuir um pouco a angustia e o temor natural que as pessoas sentiam ao estar dentro do ambiente hospitalar. O cheiro de anti-séptico e éter impregnava o ar, o odor que para muitos representava o cheiro do sofrimento e da morte, para Julia era como um perfume delicioso era o cheiro da esperança, da batalha contra o anjo da morte. Uma cacofonia de sons conhecidos encheu os ouvidos da médica. Doutores sendo chamados pelo auto-falante, cadeiras de roda sendo empurradas, macas sendo levadas de um lado para o outro, o bip-bip dos monitores, a gargalhada de uma enfermeira, o gemido de um moribundo, o bom dia amigável e confortador de um médico, o telefone tocando insistentemente em algum local, o corre-corre da rotina diária... Tudo lhe era familiar, tudo lhe era precioso, ela sentia falta desta organizada confusão que era um hospital e por isto o convite de Henrique para participar regularmente das sessões clínicas fora prontamente aceito.
E ela ficou feliz ao perceber que continuava apaixonada por sua profissão, adorava tudo aquilo, o que a deixara enfadada fora a burocracia de exercer medicina numa cidade grande. Ali ela atuava de uma forma completamente diferente, tinha tempo para conversar com o paciente, tinha liberdade para escolher quando e como trabalhar. Ali, mesmo no centro nervoso de um hospital com recursos tecnológicos sofisticados o ritmo era mais lento, havia espaço para um bate papo no corredor, sempre havia tempo para um café, as pessoas se conheciam, se importavam e se preocupavam umas com as outras, como raramente acontecia num grande centro. Ninguém era anônimo, todos faziam parte da grande colcha de retalhos que era a vida social de uma pequena cidade. Era impossível caminhar, mesmo uns poucos metros, sem ter que parar para conversar com alguém, ouvir as novidades que circulavam pela comunidade, quem estava namorando, quem tivera bebês, quem morrera e até as fofocas mais proibidas, não ficavam de fora sendo cochichadas e espalhadas no burburinho que compunha a tradição das pequenas cidades.
Enquanto se dirigia para a lanchonete do hospital aonde iria se encontrar com Henrique, Julia repassava mentalmente sua apresentação relembrando da manhã há algumas semanas atrás em que estivera no hospital atendendo ao pedido de ajuda de Henrique para um caso complicado de falência cardíaca. Ele entrara em contato com ela por telefone perguntando se ela poderia dar uma passada no hospital para ver uma paciente e após um breve relato do colega Julia se colocara a inteira disposição para ajudar.
No dia seguinte ao telefonema ela fora ao hospital, e enquanto caminhava ao lado de Henrique pelos corredores e subia as escadas até o terceiro andar ele fora colocando Julia a par de todos os detalhes do caso. Era uma mulher de pouco mais de sessenta anos que havia sido atendida na emergência ao mesmo tempo em que o neto. O rapaz se envolvera em um acidente durante um rodeio em uma das cidades da região e acabara com uma lesão na coluna que o deixara paraplégico. A senhora, que assistia ao neto na arquibancada junto com a família, presenciara tudo. Seu garoto girando em cima do touro, um segundo, dois, e de repente sendo lançado para o ar, como se fosse um balão. E depois se embolando com o touro que furioso e atordoado pisoteava o peão estendido e imóvel no chão. E fora essa imobilidade que aterrorizara a todos, porque ele não estava tentando se desviar do touro? Enquanto os salva-vidas entravam na arena para segurar o touro e socorrer o jovem peão, sua avó sentira-se mal e também fora socorrida pelo serviço de emergência que estava a postos no evento. Ela fora levada para o Hospital Geral do Vale ao mesmo tempo em que o neto, e enquanto o garoto era colocado numa aparelhagem para realizar uma ressonância magnética a fim de verificar a extensão de suas lesões, a avó era levada para a sala de hemodinâmica e submetida a um cateterismo cardíaco. E embora os sintomas, os exames de laboratório e o eletrocardiograma falassem de um quadro de infarto do miocárdio, estranhamente, o exame das coronárias mostrava que todas as artérias do coração estavam livres. Nenhuma placa de aterosclerose, nenhum obstáculo no caminho do sangue que percorria livremente todos os caminhos alimentando de oxigênio e nutrientes os músculos daquela bomba poderosa e vital. E mesmo assim o coração da paciente estava enfraquecido, bombeando com dificuldade, executando com inegável sofrimento a sua função mais primordial, como se tivesse sofrido uma extensa isquemia, e a paciente estava em choque cardiogênico. A pressão arterial caíra perigosamente obrigando os médicos a levá-la para a UTI e iniciar o uso de medicamentos para auxiliar o funcionamento do coração.
Ao final de uma semana a paciente encontrava-se estável, a pressão arterial já era mantida sem o auxilio de medicamentos e as funções do coração começavam a se recuperar. O que os médicos que assistiam a paciente não conseguiam entender era o que causara aquele dano tão extenso. Como era possível uma paciente com todas as características de um infarto e todas as artérias do coração livres de entupimento? E mesmo agora que ela estava melhor a função do coração ainda continuava comprometida. A pesquisa que havia sido feita para doenças relacionadas a vírus e parasitas também não fora positiva. Eles estavam completamente no escuro, diante de um quadro grave de falência do coração mas não conseguiam entender a causa do problema. Fora Henrique quem tivera a idéia de sugerir que Julia fosse consultora naquele caso. Achava que por ela ter estado tanto tempo ligada a um hospital universitário a colega com certeza teria experiência com casos raros e para ele estava claro que eles estavam diante de um caso raro de falência cardíaca.
Eles chegaram ao quarto da paciente e Henrique cumprimentou a senhora idosa com gentileza para em seguida apresentar-lhe a Dra. Julia. A médica sentou-se no leito e tomou as mãos da senhora entre as suas, enquanto analisava o aspecto geral da paciente, catalogando mentalmente as primeiras impressões. Julia perguntou pelo neto, mostrou-se confiante na melhora do mesmo, estabelecendo os primeiros laços de uma sólida relação médico-paciente. Ouviu atentamente o relato da senhora idosa sobre tudo o que havia acontecido desde aquela tarde, em que seu neto se acidentara e constatou a melhora progressiva que a mesma estava apresentando. Preparou-se então para o exame clínico.
Abaixou a cabeceira do leito, ajudou a paciente a se deitar certificando-se de que ela estava confortável, despiu-lhe o roupão do hospital expondo o tronco e a barriga da velha senhora, cobriu-lhe as pernas com um lençol e posicionou-se a esquerda do leito. Permaneceu algum tempo observando o pescoço e o tronco da paciente para captar a existência de alguma pulsação anormal.
Deslizou a mão direita espalmada por todo o tórax procurando por batimentos ou frêmitos anormais que pudessem denotar crescimento do coração. Desceu a mão e apalpou cuidadosamente a barriga, apertando e soltando alternadamente em busca de sinais da presença de líquido em excesso no organismo, e desceu-as para as pernas a procura de edema.
Adaptou o estetoscópio aos ouvidos e aplicando a campânula no peito da paciente começou a auscultá-la. Movimentou o estetoscópio em varias direções, da direita para esquerda, de cima para baixo, no pescoço, ouvindo atentamente e com total concentração os sons tão familiares do funcionamento daquela bomba incrivelmente fascinante que era o coração, até sentir-se satisfeita. Ajudou a paciente a sentar-se e aplicou o estetoscópio nas costas para ouvir os sons da respiração. Terminou o exame, despediu-se da paciente e dirigiu-se a sala de prescrição acompanhada de Henrique para olhar os exames que haviam sido feitos.
Em cada andar do hospital havia uma sala de prescrição, o espaço fora projetado para o conforto e a praticidade dos médicos que frequentavam a instituição. Era uma sala ampla, com uma bancada que se estendia por toda uma das paredes e muitas cadeiras, onde era possível sentar-se para redigir as ordens que seriam aplicadas aos pacientes. Na parede em cima da bancada ficava um gigantesco negatoscópio, a caixa de madeira com lâmpadas embutidas era uma ferramenta essencial para que os médicos pudessem analisar radiografias, tomografias e ressonâncias. Ao longo de toda a bancada canetas, lápis, réguas estavam disponíveis para facilitar o trabalho dos que utilizavam aquela sala. Monitores de computador ligados a intranet do hospital permitiam que as prescrições fossem digitadas eletronicamente facilitando a vida do médico e evitando os problemas causados pela tão famosa "letra de medico", que era o terror da equipe de enfermagem. O acesso a internet era irrestrito permitindo aos profissionais que utilizavam a sala, a consulta aos assuntos de interesse. Um telefone estava disponível para contato com os diversos setores do hospital. Uma estante situada em outra parede continha um pequeno, mas interessante acervo de livros e revistas medicas de uso corriqueiro. Para o conforto e a socialização havia um sofá largo em frente do qual ficava uma televisão, uma pequena geladeira onde sempre se podia encontrar água e suco fresquinho, ou um sanduíche inadvertidamente esquecido por algum médico na atribulada rotina de plantão. E como era obrigatório e vital em todo hospital a importantíssima máquina de café. Aquele era um espaço democrático, ali era possível trocar experiências, colocar o papo em dia, consultar livros ou apenas descansar enquanto se tomava um café.
Julia e Henrique se instalaram na bancada analisando cuidadosamente todos os exames da paciente. Laboratório, radiografias, eletrocardiograma, ecocardiograma e então colocaram para rodar no computador o CD com o filme do cateterismo cardíaco. Enquanto analisava os exames Julia ia organizando mentalmente as suas impressões, confrontando em seu cérebro os resultados dos exames com o que vira e percebera ao examinar a paciente, como se estivesse montando um quebra-cabeças. No momento em que o computador iniciou a leitura do filme do cateterismo, ela já sabia o que esperava encontrar, e um discreto sorriso de triunfo se formou em seus lábios a medida que o contraste mostrava a imagem do contorno do coração da paciente. Ela identificou imediatamente. Estava ali, facilmente visível. Claro. Nítido. A imagem que lembrava uma armadilha para apanhar caranguejos ou como os Japoneses a chamavam Takotsubo. Aquela imagem era clássica. Não havia dúvidas e juntamente com a história da doença não deixava margem para erro, o que eles tinham ali era um caso raro de Síndrome do coração partido ou miocardiopatia de Takotsubo.
Julia revisou toda a prescrição da paciente, sugeriu alguns ajustes nos medicamentos e traçou algumas ordens. Relutou um pouco, mas acabou aceitando a solicitação de Henrique para que ela passasse a acompanhar a paciente. Ao final de dez dias a senhora idosa já estava em casa com as funções do coração em plena recuperação. Quinze dias após o trágico acidente com seu neto ela retornou ao hospital para realizar novos exames e a Dra. Julia considerou-a curada dando-lhe alta médica. E a partir daquele dia ela tornou-se paciente de Julia frequentando o consultório da médica em Nova Esperança para prevenção de novos problemas. Agora pouco mais de um mês depois de tudo aquilo Julia estava entrando no hospital para apresentar a sessão clínica do hospital e dividir com os colegas de toda a região do Vale das Flores todo o conhecimento aprendido com este caso raro e interessante.
Chegando a lanchonete do hospital Julia encontrou Henrique sentado a mesa ao lado de sua atraente esposa. A pediatra com o corpo compacto e os cabelos vermelhos como fogo parecia uma fadinha com seus olhos verdes e o nariz salpicado de sardas, Julia imaginava que as crianças deveriam encará-la como uma espécie de feiticeira ou como uma outra criança com quem elas poderiam brincar. Eles cumprimentaram Julia com carinho e ela se juntou a eles para uma xícara de café antes de dirigirem ao auditório do centro de estudos do hospital.

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